No tempo das missões
redentoristas pelos sertões do Brasil em especial no centro-norte e nordeste,
viajavam um padre, um sacristão e um negro velho que era o arrieiro. Quatro
animais que os conduziam compondo a pequena comitiva Cristã. De lugarejo em
lugarejo, nas aldeias viajavam o ano todo. Faziam casamentos dos jovens e
adultos, ainda sem este sacramento, confissões, batizados em crianças
pequeninas, nos maiorzinhos a primeira comunhão, quermesses, missas, procissões
e tudo em termos de festividades relacionadas á Igreja Católica. Tempos de um
povo muito devoto apesar de ser uma organização religiosa quase única. Eram
assim considerados missionários redentoristas. Ás vezes permanecendo uma semana
em um dos lugarejos visitados por eles, dependia dos povos das
circunvizinhanças, que vinham em caravanas de muito longe e que demoravam
chegar até ali. Não faltava uma capelinha num desses lugares. Vinham com muita
dedicação para receberem uma benção do padre. Em outros só nos finais de
semanas, dois a três dias, assim iam catequizando, dando assistência espiritual
aos povos sertanejos. Bons tempos aqueles, muita fartura, dinheiro era muito
pouco, a comitiva cristã também quase nem gastava com as despesas de viagem,
eram as doações voluntárias da comunidade que sustentava a peregrinação deles.
Se a distancia de um lugar á outro fosse longa, havia os pontos de parada, ou
ponto de pouso, lugar isolado. Um ranchinho beira-chão na beira da estrada,
próximo de uma cacimba, um regato ou até mesmo um poço, mina, um rego d’agua.
Carregavam os víveres num cargueiro, aquelas caixas de couro de um lado e outro
do lombo de uma mula, jumento ou burro, ia roupas, calçados, redes, cobertores,
agasalhos de frio, capas de chuvas, vasilhas de cozinha, apetrechos diversos e
rações para a tropa onde não houvesse pastos etc. Levavam também imagens dos
santos, terços, medalhinhas, e outros os quais eram comercializados com o povo.
No último lugarejo que estiveram, na saída eles ganharam muitos presentes e
lembrancinhas do povo daquele lugar, gente cortês, educados, bondosos, afeiçoaram
com a comitiva e até queriam que demorassem mais, mas não podiam, pois a viagem
continuaria. Ganharam dos visitados, queijo, doces, rapaduras, farinha, uma
garrafa de vinho especial e até um frango deste tamanho e assado num forno a
lenha, uma delicia para que eles lembrassem sempre das amizades que para traz
ficaram. Levantaram acampamento e viajaram até o sol se por, até que chegaram.
Cansados da viagem e ansiosos para jantarem o frango assado e as demais
iguarias, o padre foi sentar no seu banquinho de acampamento, o sacristão
também e o pobre do negro foi trabalhar, mas era a sua tarefa, limpar e varrer
o galpão, descarregar o cargueiro e arrumar a esteira no rancho para os dois
descansarem, tirar as vestes dos dois, mas da mala de garupa e a sua para
tomarem banho na cacimba. Após o termino da tarefa, jantarem o “Capão”. Deu
banho nos animais, deu ração, escovou-os, amarrou-os num arvoredo pequeno
enquanto os animais comiam, andou e olhando a volta viu um pequeno piquete onde
os animais podiam passar encerrados durante á noite. Enquanto isso o vigário e
o sacristão já tinham se banhado, estavam limpinhos e deitados descansando. Até
que terminou seu trabalho já passava das nove da noite, exausto, com fome ainda
ter que levantar a noite e ver a tropa se estava bem. Tomou seu banho, ficou
atento ao convite do padre para jantarem o “Capão”. Mas o padre avisou-os: Não
tem janta hoje! Ninguém comerá nada até amanhã cedinho! Ainda por cima, quem de
nos três dormir bem e tiver o sonho mais belo irá comer o Capão sozinho.
Ninguém respondeu nada! Antes do padre se agasalhar para dormir, o negro
arrieiro coçou a cabeça, resmungou: Essa é boa, trabalhei feito um maluco,
passar a noite de barriga roncando? Deixa comigo: Para toda dor tem remédio, e
para todo mal tem uma cura, saiu dali fingindo ir ver a tropa, e ficou lá no
escuro fora do barraco vendo o que o vigário iria fazer. Lá dentro as velas
iluminavam o ambiente até se acomodarem nas esteiras. O padre ocultou o Frango
e as demais iguarias, mas o negro velho viu tudo. Uma fome que Deus nos livre.
Esperou pacientemente os dois roncarem, quando ressonavam foi na ponta dos pés
com a vela acesa, pegou devagarinho o frango e a garrafa de vinho e foi lá para
a cacimba, sentou no chão mesmo, comeu o frango assado todinho, bebeu o vinho e
deu um tempo, olhou a tropa no piquete, estavam dormindo também. Voltou feliz
da vida. Pensou consigo: Não matei meu pai a soco para dormir com fome, com
tanta fartura aí, e o vigário fazer uma coisa dessas com a gente? Onde já se
viu uma coisa igual! Castigar quem não merece! Cumprir uma ordem tola? Isso é
injustiça! Estamos trabalhando para Deus, e ele não quer isso! Seus filhos são
bem cuidados por ele, sempre nos deu o de melhor e o reverendo fazer isso com a
gente. Assim não! Passaram a noite em paz, no maior silêncio, lá fora só se
ouvia a tropa soar as ventas, e dentro do barraco os dois roncarem que dava até
dó de acordá-los. Kkkkkkkkkkkkkkkkk. O velho arrieiro falava com seus botões!
Só imagino a surpresa que terá o meu senhor quando descobrir o que fiz. Só que
não fiz mal nenhum e nem roubei nada do meu próximo. Matei minha fome! Isso não
é pecado! Na escola que este padre estudava para ser velhaco, dela fui expulso.
Kkkkkkkkkkkkkkkk. Dela nenhum dos professores me aguantou. Lidar com velhaco a
gente tem de ser velhaco e meio! Kkkkkkkkkkk. Fui um filho bem criado. O meu
pai sempre dizia: Meu filho: Nunca roube e nem mate ninguém por nada deste
mundo. Me ensinou, e eu trabalho desde os 7 anos de idade para ter a mesa
farta, e de nada ter falta em casa. Não vale a pena fazer mal aos outros! Além
de Deus cobrar da gente na sua justiça, o mundo nos ensina a viver e não judiar
do próximo. Logo a barra do dia vinha surgindo, o negro que quase nem dormiu,
cuidando a tropa e os dois, logo levantou e foi encilhar os animais, quando os
dois acordassem já estaria tudo arrumado, prontos para retomarem a
peregrinação. Acordaram felizes da vida se prepararam para a viagem, antes porem,
convocou-os para contar seus sonhos, e logo após, o felizardo comeria o “Capão
sozinho”. O padre disse: Cada um conte o seu sonho, quem teve o mais belo
comerá o frango. O padre foi o primeiro, sonhei que estava no céu celebrando
uma missa. Coisa linda é o céu, eu já sabia, mas tive a oportunidade de entrar
lá, muitos anjos e santos assistindo. O sacristão muito do velhaco aproveitou e
emendou com astucia, foi mesmo vigário, que coincidência, eu também estava lá
contigo lhe ajudando! Lembra-se meu senhor? Quando me disse que não precisava
acender as velas? Eu obedeci! O Padre pensou: Que sujeito mais esperto, assim
eu tenho que dividir com ele o frango, não há outro remédio. E você meu
arrieiro, o que sonhou? O velho africano
olhou lá longe! Pensou: Mentir não dá! Meu senhor, eu não pude sonhar nada, só
cochilei de tanta fome e preocupado em vigiar a tropa e os senhores para
dormirem tão bem, senão nem sonhariam sonhos tão lindos assim. Já que entraram
e estava no céu, eu pensei comigo, este dois não voltam mais aqui. Deus não
deixa sair de lá quem entrou. Já que não sou Padre e nem sacristão, levantei e
comi o “Capão”.
ESTE E OUTROS SÃO CONTOS QUE PUBLICAMOS PARA
OS CABOCLOS DIVERTIREM.
ANASTÁCIO MS, 12 DE AGOSTO
DE 2015. O NOSSO FOLCLORE É DIA 22/08/2015.
PARA O NOSSO BLOGGER “COISAS DE CABOCLO DE
LUIZÃO-O-CHAVES”
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