domingo, 2 de agosto de 2015

O PADRE, O SACRISTÃO E O ARRIEIRO

                             
      
Em tempos de outrora, quando não existiam tantas religiões como nos dias de hoje, a única existente era a Católica, tradicional entre os povos antigos. Nesta época existiam os padres capuchinhos, aqueles bem velhinhos, salvo uma ou outra vez que os padres mais moços exerciam a função de catequizar os povos, isto por ocasião das missões redentoristas, era assim: Os padres viajavam pelos sertões levando aos caboclos a palavra Divina, enquanto os capuchinhos não podiam mais viajar devido estar em idade avançada e ter que andar léguas e léguas á cavalo. Numa dessas viagens o Bispo indicou um padre bem moço para aquela missão, esta seria muito longa. O Padre nunca tinha saído da capela para viajar assim, organizou sua comitiva catequizadora, era composta de: Um padre, ele no caso, um sacristão, aquele garotão que auxilia o vigário nas missas, acender as velas, arranjar os santos nos seus devidos lugares, limpar o altar, colocar vinho e as hóstias no cálice, arrumar as flores no altar ir ao confessionário e limpar a poeira na cadeira do padre e ver se tudo estava em ordem para os fiéis se acomodarem para as confissões. Também um voluntário esperto para cuidar da tropa, ele era chamado de arrieiro, uma mula ou burro para que transportasse as cargas de tudo que fosse preciso em duas caixas de couro uma de cada lado do lombo do animal, cargueiro se chama. Ali estavam as roupas pessoais dos três, redes para dormirem, cobertores, agasalhos de frio, vasilhas de cozinha, víveres diversos, produtos de limpeza, asseios, higiene de todos. Rações diversas para os animais caso não tivesse pasto onde pernoitassem, duas cabaças grandes com agua para beberem. Os outros animais seriam a montaria deles três, arreios, e todos os apetrechos para cavalgarem. Normalmente o arrieiro era um negro, um descendente de africano, mestiço por ser mais obediente ao seu senhor. Este de nosso conto era um baita, e atendia por “Negão”. Também era quem mais trabalhava, teria que cuidar dos animais, na pousada, sem importar onde quer que  estivessem, teria que dar banho na tropa, dar pasto, cuidar para nenhum animal escapar da corda á noite nos lugares estranhos. Seria um desastre se isso acontecesse. O padre se limitava de somente se preocupar com o que iria falar ao povo, nada mais, o sacristão já falamos, então viajaram na madrugada seguinte. Lá se foram todos felizes da vida, conhecer lugarejos diferentes, pessoas, coisas e o que não conheciam. Viajaram o dia todo no entardecer chegaram num vilarejo, foram bem recebidos, eram esperados sim, pois um batedor com um mês de antecedência tinha passado e avisado todo o povo em toda a rota que o padre faria naquele ano. Cada um no seu oficio, os visitados arrumaram lugar para todos pernoitarem e logo começarem a missão determinada. A capelinha local já estava limpa, adornada e os fiéis ansiosos para o inicio das missões. Nesta altura o sacristão só ajudou o padre a recepcionar os fiéis. Ali permaneceram uns três dias, celebraram missas, fizeram batizados das crianças, catecismo para os maiorzinhos, casaram os adultos que ainda não tinha recebido este sacramento, organizaram quermesses, festinhas catequizando o povo dali. Depois viajaram de novo para outro lugar. Sucessivamente durante um mês foi assim a jornada. Já tinham passado por vários lugares quando numa tarde chegaram num lugar onde ficariam mais tempo até descansarem as montarias e eles também. Final de semana, festividades com a sua chegada, dia santo de guarda, os povos das circunvizinhanças vieram receber uma benção. Muita alegria enfim descansados! Para saírem deu um que fazer! Os povos não queriam que fossem tão já, mas era preciso irem, tinham mais cristãos que os esperavam em outras paragens, e lugares mais difíceis de chegar, a missão deles não terminaria ali. Ao saírem ganharam muitos presentes, viveres, lembranças dos moradores do lugar e até um frango assado no capricho, pois a próxima parada seria num lugar ermo, tinha uma cabana na beira de um riacho, o lugar apropriado para os caminhantes e viajantes pousarem. Despediram do povo, agradeceram os presentes e tudo o que ganharam. A viagem era longa, seria o dia inteiro sem muita parada para não chegarem de noite. O Padre todo feliz com o sucesso das missões e da viagem até ali. Maravilhado com o frango assado que o chamaram de “Capão” e uma garrafa de vinho especial, doces e mais coisas. Seria o jantar de todos quando chegassem ao ponto de pousada. Tomarem banho, descansar da fadiga daquele dia, prosear um pouco com o sacristão e o negro arrieiro. Depois jantarem o “Capão” assado, o pobre do negro foi terminar a sua tarefa lá pelas nove da noite. Desencilhar os animais, dar agua, dar banho, dar pasto, amarrá-los num lugar seguro e ainda vigiar a noite. Desarrumou as cargas, tirou esteiras para dormirem no chão, roupas para os companheiros vestirem após o banho, só depois sentar em trepeças que carregavam no cargueiro, eram seus bancos. Agasalhar as bruacas e caixas num lugar no canto da cabana. O arrieiro quase teve um desmaio, quando viu os companheiros se agasalhando para dormir sem jantarem o “Capão”. Perguntou: Não vamos jantar vigário? Estou com uma fome de lobo, viajamos o dia inteiro sem comer nada. Não jantaremos o “Capão” hoje amigo. Fica para amanhã, pela manhã antes de prosseguirmos a viagem dissera o vigário. Ainda tem mais uma acrescentou o padre, quem de nós tiver o sonho mais belo esta noite comerá a parte principal do “Capão” primeiro, depois os outros dois. Trate de dormir e sonhar bonito. O pobre negro quase chorou, mas nada retrucou ao seu senhor. Deitou-se desconsolado, a barriga roncando, de quando em quando levantava indo ver se a tropa estava bem, voltava e deitava. Nada de sono, o padre e o sacristão eram acostumados jejuarem, fome para eles não era problema, mas e o negro que não jejuava de modo nenhum, nunca aceitava isso, também  pudera, trabalhar como um maluco e ainda ter jejuar? Não dá! Não jejuava mesmo. Numa hora daquelas vendo os companheiros roncando teve uma ideia: Esperem aí, seus dois folgados, disse baixinho com seus botões: Também tenho vez! Saiu de fininho e foi na caixa, pegando o “Capão”, a garrafa de vinho, foi lá na beira do regato, acendeu uma vela para clarear e sentou numa pedra, comeu sem cerimônia todo o frango, tomou o vinho, depois bateu na pança e disse: Agora sim, agora dá para dormir! Kkkkkkkkkkkk. Ferrou no sono e quando amanheceu o dia saiu para cuidar da tropa e retirar umas coisas, e guardar outras no cargueiro para continuar a viagem, não deu demonstração de nada. Estava encilhando os animais quando o padre o chamou. Venha cá Negão! Sente ai e vamos contar os sonhos. Eu contarei primeiro, depois o sacristão, o derradeiro será você. Combinado? Disse aos companheiros: Ouçam com atenção! Eu sonhei que celebrava uma missa lá no reino Céus, Santos e Anjos só vendo o tanto, como tinha, todos felizes ao assistirem a nossa missa. Nunca vi coisa mais linda, e não pode haver em lugar nenhum um sonho mais belo que este meu. Louco para comer a maior parte do “Capão”. O sacristão não perdeu tempo, completando a frase do padre, é pura verdade Negão! Eu estava lá também servindo o senhor, não foi vigário? Nossa, que sonhos lindos estes nossos! Não há igual! O vigário pensou consigo: Este meu assistente é demais esperto pelo seu tamanho, terei que dividir o “Capão” com ele. E você amigo arrieiro? O que sonhou? Pergunta o padre. O negro sempre reverente, tirando o chapéu da cabeça, segurou-o com uma das mãos e passou a outra no queixo, cofiou a barba, olhando para o chão, pensou um pouco e disse: No meu sonho, vi a hora que o reverendo e você subiram para o céu, logo imaginei: Fiquei sozinho na terra, pensei comigo: Terminou as missões! Que pena! Estes dois jamais voltarão! Porque quem vai para o Céu nunca mais volta na terra, além de não precisar comer nada daqui, porque o Senhor Deus os alimentam! Não é assim que o senhor fala nos seus sermões e nos ensina? Eu sendo o arrieiro, não sou padre nem sacristão, acordei, levantei, tomei o vinho e comi o Capão sozinho. Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk.



SÃO CONTOS QUE O CABOCLO SERTANEJO INVENTA PARA DIVERTIR OS OUTROS.
“COISAS DE CABOCLO DE LUIZÃO-O-CHAVES”

ANASTÁCIO, MS 29/07/2015   

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