Em tempos de outrora, quando
não existiam tantas religiões como nos dias de hoje, a única existente era a
Católica, tradicional entre os povos antigos. Nesta época existiam os padres
capuchinhos, aqueles bem velhinhos, salvo uma ou outra vez que os padres mais
moços exerciam a função de catequizar os povos, isto por ocasião das missões
redentoristas, era assim: Os padres viajavam pelos sertões levando aos caboclos
a palavra Divina, enquanto os capuchinhos não podiam mais viajar devido estar
em idade avançada e ter que andar léguas e léguas á cavalo. Numa dessas viagens
o Bispo indicou um padre bem moço para aquela missão, esta seria muito longa. O
Padre nunca tinha saído da capela para viajar assim, organizou sua comitiva
catequizadora, era composta de: Um padre, ele no caso, um sacristão, aquele
garotão que auxilia o vigário nas missas, acender as velas, arranjar os santos
nos seus devidos lugares, limpar o altar, colocar vinho e as hóstias no cálice,
arrumar as flores no altar ir ao confessionário e limpar a poeira na cadeira do
padre e ver se tudo estava em ordem para os fiéis se acomodarem para as
confissões. Também um voluntário esperto para cuidar da tropa, ele era chamado
de arrieiro, uma mula ou burro para que transportasse as cargas de tudo que
fosse preciso em duas caixas de couro uma de cada lado do lombo do animal,
cargueiro se chama. Ali estavam as roupas pessoais dos três, redes para
dormirem, cobertores, agasalhos de frio, vasilhas de cozinha, víveres diversos,
produtos de limpeza, asseios, higiene de todos. Rações diversas para os animais
caso não tivesse pasto onde pernoitassem, duas cabaças grandes com agua para
beberem. Os outros animais seriam a montaria deles três, arreios, e todos os
apetrechos para cavalgarem. Normalmente o arrieiro era um negro, um descendente
de africano, mestiço por ser mais obediente ao seu senhor. Este de nosso conto
era um baita, e atendia por “Negão”. Também era quem mais trabalhava, teria que
cuidar dos animais, na pousada, sem importar onde quer que estivessem, teria que dar banho na tropa, dar
pasto, cuidar para nenhum animal escapar da corda á noite nos lugares
estranhos. Seria um desastre se isso acontecesse. O padre se limitava de somente
se preocupar com o que iria falar ao povo, nada mais, o sacristão já falamos,
então viajaram na madrugada seguinte. Lá se foram todos felizes da vida,
conhecer lugarejos diferentes, pessoas, coisas e o que não conheciam. Viajaram
o dia todo no entardecer chegaram num vilarejo, foram bem recebidos, eram esperados
sim, pois um batedor com um mês de antecedência tinha passado e avisado todo o
povo em toda a rota que o padre faria naquele ano. Cada um no seu oficio, os
visitados arrumaram lugar para todos pernoitarem e logo começarem a missão
determinada. A capelinha local já estava limpa, adornada e os fiéis ansiosos
para o inicio das missões. Nesta altura o sacristão só ajudou o padre a
recepcionar os fiéis. Ali permaneceram uns três dias, celebraram missas,
fizeram batizados das crianças, catecismo para os maiorzinhos, casaram os
adultos que ainda não tinha recebido este sacramento, organizaram quermesses,
festinhas catequizando o povo dali. Depois viajaram de novo para outro lugar.
Sucessivamente durante um mês foi assim a jornada. Já tinham passado por vários
lugares quando numa tarde chegaram num lugar onde ficariam mais tempo até
descansarem as montarias e eles também. Final de semana, festividades com a sua
chegada, dia santo de guarda, os povos das circunvizinhanças vieram receber uma
benção. Muita alegria enfim descansados! Para saírem deu um que fazer! Os povos
não queriam que fossem tão já, mas era preciso irem, tinham mais cristãos que
os esperavam em outras paragens, e lugares mais difíceis de chegar, a missão
deles não terminaria ali. Ao saírem ganharam muitos presentes, viveres,
lembranças dos moradores do lugar e até um frango assado no capricho, pois a
próxima parada seria num lugar ermo, tinha uma cabana na beira de um riacho, o
lugar apropriado para os caminhantes e viajantes pousarem. Despediram do povo,
agradeceram os presentes e tudo o que ganharam. A viagem era longa, seria o dia
inteiro sem muita parada para não chegarem de noite. O Padre todo feliz com o
sucesso das missões e da viagem até ali. Maravilhado com o frango assado que o
chamaram de “Capão” e uma garrafa de vinho especial, doces e mais coisas. Seria
o jantar de todos quando chegassem ao ponto de pousada. Tomarem banho,
descansar da fadiga daquele dia, prosear um pouco com o sacristão e o negro
arrieiro. Depois jantarem o “Capão” assado, o pobre do negro foi terminar a sua
tarefa lá pelas nove da noite. Desencilhar os animais, dar agua, dar banho, dar
pasto, amarrá-los num lugar seguro e ainda vigiar a noite. Desarrumou as
cargas, tirou esteiras para dormirem no chão, roupas para os companheiros
vestirem após o banho, só depois sentar em trepeças que carregavam no
cargueiro, eram seus bancos. Agasalhar as bruacas e caixas num lugar no canto
da cabana. O arrieiro quase teve um desmaio, quando viu os companheiros se
agasalhando para dormir sem jantarem o “Capão”. Perguntou: Não vamos jantar
vigário? Estou com uma fome de lobo, viajamos o dia inteiro sem comer nada. Não
jantaremos o “Capão” hoje amigo. Fica para amanhã, pela manhã antes de
prosseguirmos a viagem dissera o vigário. Ainda tem mais uma acrescentou o
padre, quem de nós tiver o sonho mais belo esta noite comerá a parte principal
do “Capão” primeiro, depois os outros dois. Trate de dormir e sonhar bonito. O
pobre negro quase chorou, mas nada retrucou ao seu senhor. Deitou-se
desconsolado, a barriga roncando, de quando em quando levantava indo ver se a
tropa estava bem, voltava e deitava. Nada de sono, o padre e o sacristão eram
acostumados jejuarem, fome para eles não era problema, mas e o negro que não
jejuava de modo nenhum, nunca aceitava isso, também pudera, trabalhar como um maluco e ainda ter
jejuar? Não dá! Não jejuava mesmo. Numa hora daquelas vendo os companheiros
roncando teve uma ideia: Esperem aí, seus dois folgados, disse baixinho com
seus botões: Também tenho vez! Saiu de fininho e foi na caixa, pegando o “Capão”,
a garrafa de vinho, foi lá na beira do regato, acendeu uma vela para clarear e
sentou numa pedra, comeu sem cerimônia todo o frango, tomou o vinho, depois
bateu na pança e disse: Agora sim, agora dá para dormir! Kkkkkkkkkkkk. Ferrou
no sono e quando amanheceu o dia saiu para cuidar da tropa e retirar umas
coisas, e guardar outras no cargueiro para continuar a viagem, não deu
demonstração de nada. Estava encilhando os animais quando o padre o chamou.
Venha cá Negão! Sente ai e vamos contar os sonhos. Eu contarei primeiro, depois
o sacristão, o derradeiro será você. Combinado? Disse aos companheiros: Ouçam
com atenção! Eu sonhei que celebrava uma missa lá no reino Céus, Santos e Anjos
só vendo o tanto, como tinha, todos felizes ao assistirem a nossa missa. Nunca
vi coisa mais linda, e não pode haver em lugar nenhum um sonho mais belo que
este meu. Louco para comer a maior parte do “Capão”. O sacristão não perdeu
tempo, completando a frase do padre, é pura verdade Negão! Eu estava lá também
servindo o senhor, não foi vigário? Nossa, que sonhos lindos estes nossos! Não
há igual! O vigário pensou consigo: Este meu assistente é demais esperto pelo
seu tamanho, terei que dividir o “Capão” com ele. E você amigo arrieiro? O que
sonhou? Pergunta o padre. O negro sempre reverente, tirando o chapéu da cabeça,
segurou-o com uma das mãos e passou a outra no queixo, cofiou a barba, olhando
para o chão, pensou um pouco e disse: No meu sonho, vi a hora que o reverendo e
você subiram para o céu, logo imaginei: Fiquei sozinho na terra, pensei comigo:
Terminou as missões! Que pena! Estes dois jamais voltarão! Porque quem vai para
o Céu nunca mais volta na terra, além de não precisar comer nada daqui, porque
o Senhor Deus os alimentam! Não é assim que o senhor fala nos seus sermões e
nos ensina? Eu sendo o arrieiro, não sou padre nem sacristão, acordei, levantei,
tomei o vinho e comi o Capão sozinho. Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk.
SÃO CONTOS QUE O CABOCLO
SERTANEJO INVENTA PARA DIVERTIR OS OUTROS.
“COISAS DE CABOCLO DE
LUIZÃO-O-CHAVES”
ANASTÁCIO, MS 29/07/2015
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