Conta-se que em épocas
passadas existiu um casal muito bem sucedido na vida, eram felizes, dotados de
uma sorte incrível para muitos, não para todos é claro. Possuíam muitos bens,
um casal de filhos lindos, casas na cidade e até uma fazenda muito bem montada,
muito gado, animais diversos, tropas e muitos empregados enfim, nada mais
poderiam almejar ou exigir da vida melhor situação. Tudo iam as mil maravilhas
naquelas vidas tão bem sucedidas. Uma
família de distinção na sociedade, magníficos exemplos de bondosas pessoas, um
homem de honra, um pai de família dedicado, um bom patrão, e ela um exemplo de
esposa e mãe. Espelhados por todas as pessoas sensatas. Mas quando as coisas
estão muito bem é preciso ficar em alerta com os sinais agourentos que sempre
rodeiam as pessoas felizes. Nem sempre
isto é para todos, mas sempre atingem os mais símplices de coração. Naqueles
tempos antigos havia vaquejadas, cantorias e festas diversas em várias regiões
deste País. O Patrão desejou dar uma festa, teria vaquejadas, montarias,
cantorias e festa culminando com um baile na fazenda para encerrar as
festividades com chave de ouro. Foram convidados toda a vizinhança, e
fazendeiros desta região, seria uma festa daquelas de deixar saudades. Violeiros,
sanfoneiros, repentistas, desafios, pelejas de cantores de todas regiões e modalidades
lá estariam sem falta. Haveria rodeios, montarias em animais xucros, bois,
burros, carreira ou raias, malabaristas em animais e diversos outros
divertimentos. Seria três dias de festas, churrasco e muita animosidade,
rapazes e moças viriam de todos os lados da região, tempos bons e de paz entre
os povos, dificilmente surgia algum
atrito entre eles, tudo bem planejado e executado com sucesso, a festa
começou e foi exatamente como o esperado. Transcorreram muito bem todas as
atividades, a vaquejada, as montarias, as cantorias e os repentistas,
premiações e condecorações aos vencedores, a peonada dos confins que vieram
participar dos festejos não cabiam em si de contentes, dentre todos houve três
deles que se destacaram no laço e na doma dos animais, eram de fora bem
distante dali. Chegando ao final das festividades e nos últimos bailes, olha a
complicação que surgiu na família do patrão. Ele a esposa, duas empregadas mais
a governanta e as crianças já grandinhos felizes da vida. Num dos bailes a
noite uma das empregadas disse ao patrão: O senhor já observou o comportamento
de sua esposa no baile? Parece mocinha procurando namorado. Arranjou um e já estão
de caso, tenho certeza porque dancei com ele e descobri tudo. Me cortou o
coração em saber disso, porque o senhor não merece isto que ela está fazendo.
Como a empregada era de confiança de ambos e tinha cuidado com suas crianças e
sempre atenta percebeu a situação da patroa com um peão de fora, exatamente um
dos três que mencionamos acima. Mulher conhece a outra, e peão é peão, inda
mais sendo solteiro. Namoro tinha para todos os lados, moças e rapazes estavam
á vontade para namorarem. O Patrão observou e viu com grande amargura e
decepção a amizade dela com o peão. Olhem a ilusão dela! E agora? O que fazer?
Saiu da festa por um pouco de tempo, alguns minutos, sentou num canto escuro pôs
a mão no queixo e imaginou a vida inteirinha que desde seu casamento até ali
era uma coisa inimaginável de tão bela. Nada lhes faltava, em especial para a
esposa e esta fazer um papel deste? Era inconcebível uma coisa daquelas. Jamais
pensou que um dia lhe acontecesse tal infortúnio. Mas a formiga quando quer se
perder, dizem que cria asas e voa, em seguida cai num terreiro que tem galinha
choca. Já entenderam? Armou um plano, avisou a esposa que teria que ir com
certa necessidade até a cidade e que ela e as empregadas vigiassem a festa.
Ausentou com o carro, voltaria no dia seguinte lá pela nove horas. Foi até a
estrada que ficava a um quilometro da sede e deixou o carro camuflado na entrada
de outra fazenda. Voltou a pé e entrou num dos quartos de visita que dava para
os fundos da casa, eram dois ligados e fora do corpo da casa, meio isolados
portanto, no quarto das visitas tinha de tudo, um conforto sem igual, até um
frigobar. De posse das duas chaves de um, ficou de tocaia nele e ver o que
poderia acontecer, não se enganou. Dali algum tempo lá vem a esposa de mãos
dadas com o peão e abrindo a porta do outro adentraram, ela lhe disse: Espere
aqui que já volto, vou pedir a governanta que faça as crianças dormirem. Já é
tarde e deixe o povo que sambem a vontade, enquanto isso nós vamos gozar nosso
amor, meu marido foi á cidade e só volta amanhã. A empregada não perdeu um só
movimento da falsa esposa, fingia não saber de nada, estava vendo: O que o
maligno não faz, gente? Tudo certo, ela disse a empregada, vou me recolher mais
cedo hoje. Fiquem a vontade. Saiu e foi no quarto, lá estava o peão a sua
espera, o marido no outro quarto assistindo tudo. Parede e meia e de madeira
com alguns furinhos nas tábuas via tudo. com o coração em pedaços. Ela chegou
toda assanhada, despiram, tomaram vinho a beça se amaram, rolaram na cama e
aprontaram a rigor, juras de amor, promessas de ir com ele para onde ele
quisesse. Dizia em sussurro sou só tua de hoje em diante. Meu marido é um homem
morto para mim. Por tí deixo tudo o que possuo nesta vida. Se a morte vier me
buscar irei com prazer. O que eu queria de ti, eu já consegui. não dormiremos
esta noite nem um minuto. Estou em chamas, meu corpo está quentinho como nunca
esteve, me mate de amor, senão enlouqueço. Olhem o tamanho desta paixão! Jogar
fora toda a vida feliz de casada por uma simples aventura! Traiu o marido sem a
mínima compaixão do infeliz, nem seus filhos nesta altura dos acontecimentos os
amava mais. Ficou louca a mulher. Sabiam que a paixão não é de Deus? É de
origem satânica. Enlouquece mesmo. Aí está a prova. Já no finzinho da madrugada
adormeceram, justamente para que o marido saísse de fininho e voltasse para o
carro lá na estrada. Como se nada tivesse acontecido levantaram depois, ele foi
para o galpão onde se encontravam seus dois companheiros. Estes disseram: Onde
estava que não te vimos mais? Em lugar nenhum responde. Companheiro, não somos
trouxa, vimos seu namoro com a patroa! Nós o reprovamos! Você ficou louco?
Perdeste o juízo? Porque fizeste isso? Não respeitou a festa do homem nem a sua
esposa? Em meio á tantas moças bonitas, você foi dar em cima de mulher casada?
Cutucaste o diabo com a vara curta! Isto vai dar um fim de festa dos piores que
nós já vimos, pode ter certeza. E se este homem descobre? Previne-te! Nem
queremos estar perto quando esta bomba estourar em tuas mãos. Ela como se nada
tivesse feito estava do mesmo jeitinho. O marido chegou, ela o recebe com
beijos e abraços. Terminou a festa todos foram embora, o peão não quis ir, vou
depois dissera aos dois amigos. Estes foram embora desolados, preocupados com a
situação do amigo que ficara. Em tempos de homens sérios e mulheres de muita honra
ver um negocio deste? Era fim de mundo, pensavam. No domingo a tarde ele e a esposa foram com
as crianças e a empregada para a cidade, pois na segunda feira era dia de aulas
e atividades de trabalho na fazenda e cada um nos seus afazeres. Deixou-os na
cidade e na volta com a esposa para a fazenda num lugar ermo, isolado, com um
silêncio macabro, parecendo adivinhar uma coisa sinistra, com matas de ambos os
lados, nem uma ave sequer gorjeava naquela hora, ele parou o carro e desceram,
entraram no mato alguns metros e ele sentou no chão e disse: Porque fizeste
aquilo comigo mulher? Melhor se tivesse me matado! Vi tudo! Estava no quarto ao
seu lado! E agora, o que tens a me dizer? A esposa gelou, ficou muda, estava
petrificada, dura como uma pedra ante aquela revelação dura e inesperada. Vai
morrer sabia? Tirou de uma arma e disparou em sua cabeça. Abriu o seu peito e
dele tirou o coração dela e levou consigo. Lá ficou o corpo estendido sem vida.
Olhem o lucro de uma traição! Seguiu para a fazenda, tratou aquele coração como
se fosse o coração de uma rês. Preparando-o para ser almoçado na segunda feira.
O homem estava vivo por fora e morto por dentro. Era um corpo ambulante sem
vida, sem noção do tempo! Navegava em outra galáxia, num mundo obscuro e
desconhecido. O peão ficando na companhia dos demais da fazenda estava todo
feliz, entre aspas, preocupado por não ver a patroa na casa e nem em lugar
nenhum. Era muito dada com todos, servira as refeições para todos depois da
festa. Cadê ela perguntava de si para consigo. Não havia respostas! Na segunda
feira antes do almoço o patrão disse aos demais empregados, estou sozinho hoje
e sem cozinheira, vão para a pensão todos, ali ao lado dos galpões. Pediu
gentilmente ao peão que de nada desconfiava que fosse seu hospede e que
almoçasse com ele, fazendo-lhe companhia. O peão aceitou, era isso que ele
queria, assim estaria ao menos vendo seu amor. Servindo o almoço sentaram á
mesa e começaram comer, o patrão diz-lhe, este é o coração de uma vitela que
preparei para nós, está uma delicia, sirva á vontade amigo. O peão serviu com
gosto, de fato estava bem feito a iguaria. Olhava para os lados e nada de seu
amor aparecer, não aguentou por muito tempo, e indagou: Cadê a sua esposa que
não a vejo desde ontem a tarde? O patrão deu um sorriso amarelo, trespassado de
amargura, de dor e ódio daquele verme imundo que destruíra sua vida e estava á
sua frente comendo o coração de sua tão amada esposa. Respondeu ao peão: Ela
não volta mais aqui! Você roubou o coração dela! Naquela noite de seus amores eu
estava escondido no quarto ao lado, vi e ouvi tudo o que fizeram e disseram
sobre mim. Vocês dois destruíram o meu lar, a minha vida e meu tudo que adquiri
com tanto sacrifício! Não resisti a dor! Eu a matei! Este coração que acabaste
de comer é o dela! Fiz você comê-lo sem saber! Agora vais morrer também, disse-lhe
com a maior frieza. Tirou da gaveta da mesa a mesma arma que ceifou a vida dela
lá na mata e disparou na testa do peão que estava gelado, duro, enrijecido,
estático, paralisado, parecendo uma pedra, uma estátua, estarrecido, morreu nas
roupas ouvindo aquela triste e aterradora revelação de seu temível e terrível
adversário! O espírito da negra morte o dominou porque ele devia! Não esboçou
nenhum gesto em defesa da vida! Tombou com a cabeça em cima do prato que comera
o coração dela, o coração daquele maldito amor que não era seu. Cabeças que não
tiveram juízo, os corpos pagaram a conta!
"COISAS DE CABOCLO DE
LUIZÃO-O-CHAVES"
Anastácio MS 14/10/2017
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