domingo, 22 de maio de 2016

VEJAM NO QUE DÁ UMA MÃE QUE XINGA OS FILHOS.

                          

Era uma vez um moleque traquina, levado, teimoso, boca suja e insuportável a ponto de sua mãe dizer que não o aguentava mais, sabia de coisas do arco da velha. Seu nome era Joãozinho. Sua mãe era viúva e vivia dos serviços da rocinha que tocava, dali tirava o sustento para ela e seu filho, era o ano inteirinho que Deus dava, lidando na roça, tecia algumas redes para os que precisavam, trançava rédeas de crina, fazia baixeiros e cobertores de lã também. Cuidava do cavalo e das demais criações que o seu marido lhe deixara, a carrocinha, para irem na feira fazer compras, levar os produtos da sua roça e vende-los. Era uma mulher muito esperta, trabalhadeira mas era doida, muito agitada, nervosa e de pouca paciência, por qualquer coisinha de nada já xingava tudo, era desequilibrada mesmo. Quando tomada daquela ira tola até o filho ela maltratava com tudo o que era nomes indecentes, imorais e pesados e até praguejava o pobre menino. Por isso que ele era daquele jeito, o xingo é uma ordem que o xingador dá aos espíritos imundos das trevas de atacarem o xingado. É o extremo do ódio, da falta de amor ao seu próximo. Muitas pessoas não sabem disto. A criança perde a presença do seu anjo da guarda. Ele vai embora, ele volta para o céu e a criança fica desprotegida, a mercê dos demônios. Mãe tem muita autoridade sobre seus filhos. Verão mais adiante o que a sua madrinha fez por ele. Ela a sua mãe, até já tinha oferecido o filho para quem o quisesse levá-lo. Mas ninguém o queria ainda mais depois de saber quem ele era. A vizinhança ficava escandalizada ao ver a mãe tratar um filho daquela maneira. Imaginem uma criança que não tem o carinho de sua mãe, parecia que a mulher nem fé em Deus possuía. O menino era para ela era um estorvo, aqueles nomes pesados e aquele xingatório que o pequeno recebia lhe atrasava a vida. Um dia estava tão atacada que ofereceu-o ao demônio, caso este o quisesse levá-lo. Os dias se passaram, algum tempo depois apareceu em sua casa um homem fumando um cachimbo e montado em uma mula preta, chegando, apeou e pediu água para ele e para a mula, fazia muito calor e ele vinha de longa viagem. A mulher o serviu e começou a conversar com o estranho, até que saíram no assunto do menino rebelde, o seu filho. O homem dissera haver sabido por terceiros que ela doava o garoto para quem o quisesse levá-lo e até ao capeta caso ele aparecesse e tivesse disposto a aguentar as peraltices do moleque, pois já não aguentava mais apesar de ser o seu filho. O estranho depois de tudo ouvir, respondeu-lhe: Se até agora ninguém o quis, eu o levo pois lá em casa temos um montes destes e até com qualidades piores, nós damos jeito nele sim, pode crer. Nunca deixamos escapar nenhum destes sapecas, a gente campeia eles para todos os lados e não perdemos nenhum. A palavra da senhora ainda está em pé? Sim, disse a mulher, pode levá-lo agora. Não quero vê-lo nem mais um minuto em minha frente. O moleque estava de um lado ouvindo a conversa entre sua mãe e o estranho, ficou triste em saber que iria embora de sua casa apesar de ser maltratado por sua mãe, duas lágrimas correu dos seus olhinhos por não saber que destino seria o seu dali em diante, mesmo ante as lágrimas do filho aquele coração duro daquela mãe desalmada nem sequer esboçou um gesto de despedida daquele que ela carregara nove meses no ventre e que deveria tê-lo amado muito. Coração, de pedra, rude, árido, seco, sem vida e sem amor, sem ao menos imaginar que aquela criança necessitaria de seu amor nem que fosse por mais um dia. Arrumou rápido as suas roupinhas numa sacola e despachou-o com aquele homem que ela nem sabia quem era. Engarupando na mula sumiram no estradão poeirento naquele calor sufocante, que parecia o verão não ter mais fim. Depois de alguns minutos de viagem chegaram na casa do homem, os seus familiares eram todos esquisitos, deformados, deficientes de todo jeito, magros, sujos, feios, fedorentos andavam todos nus, tinham aspecto de animais felinos e canídeos meio a meio, outros já de chifrinhos e rabos, não tinham o que comer lá, um calor insuportável não corria nem uma brisa sequer para desabafar o imenso calor. Uma casa velha caindo as paredes, sujeira ao redor um lugar terrível só de se olhar. O menino quis correr para voltar, mas foi impedido pelo homem, na hora de comerem alguma coisa foi-lhe apresentado uma orelha de defunto deste tamanho, podre, peluda de repunar só de ver aquilo, não tinha mais nada para se comer além de pedaços de defuntos na mesa. Recusou na hora!  O homem o ameaçou, se não come-la morrerá de fome ou te cozinharemos naquele tacho de água fervente que estava no quintal numa trempe de ferro e os demais daqui te jantarão ainda hoje. Trate de comer a orelha e deixe de teimosia, o menino chorou, suplicou, implorou, ajoelhou e pediu muito que o levasse embora, o homem pegou um relho deu-lhe umas lapadas nas costas, ele pegou a tal orelha, cheirou, tocou a língua e cuspiu, jamais comeria uma coisa fedorenta daquela, passou a noite com fome, o calor daquele lugar parecia multiplicar cada vez mais. O homem foi viajar e deu a seguinte ordem: Tens três dias para comer esta orelha. Sim senhor dissera o garoto. O menino enterrou a orelha lá no monturo de lixo.  Antes de viajar, assim que amanheceu o dia ele perguntou: Já comeste a orelha João? Já sim senhor! Mas o menino não sabia que a tal orelha falava igual gente. O homem pergunta: Orelha, onde estás? Esta responde: Estou aqui no monturo enterrada no lixo. O homem esbravejou. vá comê-la logo seu estrume, senão te afogo naquele tacho de água quente. O garoto caiu em prantos novamente, no outro dia teve uma ideia, colocou-a num de seus bolsos. De novo lá vem o homem e pergunta: E agora comeste? Sim senhor, comi! Orelha onde estás? Aqui no bolso de João. Outra bronca do homem. Deu-lhe mais um couro que o deixou-o com marcas do chicote. Joãozinho lembrou de sua casa e de sua madrinha que o queria tanto, sentiu um alívio. Enquanto o menino sofria lá a sua mãe estava toda feliz, não sentia a menor falta do filho, num dia destes a madrinha de Joãozinho foi ver a comadre e ele, não o encontrando ficou aflita pois gostava muito do afilhado. Não vendo o menino perguntou: Comadre, cadê o Joãozinho? O que a senhora fez dele? Esta lhe contou toda a história. A comadre virou uma fera ao saber do destino de seu afilhado, onde já se viu uma coisa destas mulher? Você é maluca? Oferecer seu filho para o capeta? Não foi o capeta comadre, foi um homem que montava uma mula preta, só que nunca vi ele por aqui, replicou a mãe do menino. Como é que deste  o filho á um estranho, e se este homem for o capeta? Vou embora daqui e nunca mais será minha comadre. Não pisarei meus pés aqui na tua casa. Dê um jeito e procure o menino, quero meu afilhado aqui vivo e são! Não levei ele para mim porque a obrigação de cuidar dele é sua, você é mãe ou é mandioca? Vou pedir á Nossa Senhora que me dê ele de volta, esteja onde estiver, saibas tu que a madrinha é a segunda mãe de uma criança. A comadre caiu em prantos enquanto a madrinha saiu pisando duro, mas com o coração em oração á Nossa Senhora pelo afilhado. Custe o que custar, quero meu afilhado comigo. Serei sua mãe enquanto Deus me der vida e saúde. A comadre ficou triste pela burrice que cometera além de ser um pecado grave. Chorou muito mas não havia meio de resgatar o menino. Quem é que sabia onde a criança foi parar, e se já estivesse morta? Logo mais o homem da mula preta apareceu na casa de Joãozinho e deu notícias do menino dizendo que ele estava muito bem e tinha enviado lembranças á ela. Pura mentira dele, o menino estava magrinho e chorando sem parar. Nada lhe consolava! O homem perguntou á ela: Quem é aquela mulher que esteve aqui falando contigo hoje de manhã? Ao que ela respondeu: É a minha comadre, a madrinha do menino que o senhor levou! Diabos retrucou o homem, e furioso acrescentou: Ela está me dando um trabalho danado, quer me tomar o garoto de qualquer jeito, ela pensa que eu não sei o que ele está fazendo contra mim. Aquela mulher vestida de branco, que mora lá nas maiores alturas deste infinito está me intimando a devolver o moleque. Saiu numa desabalada carreira na mula que era só poeira que levantou, parecia uma fera acuada, resmungando e se maldizendo em tudo. Foi até a casa da madrinha do moleque e antes de apear, viu a mulher de joelhos rezando, vendo aquilo virou em cima do rastro mais furioso ainda. Enquanto isso o Joãozinho, pensava como escaparia daquela situação para não comer aquela coisa horrível, saiu pelo terreiro e achou um pedaço de barbante e amarrou a orelha pelo meio e atou-a contra a sua barriga bem em cima do umbigo amarrando o barbante nas cadeiras, jogou a camisa por cima e dentro das calças de modo que ninguém via. Lá vinha o homem furioso, já perguntou-lhe: Tu comeste a orelha seu safado, canalha, vadio e se não comeste vou estrangular você e metê-lo no tacho de água fervente agora mesmo. Mas se a comeste és meu para sempre, serás meu amigão. Apavorado o menino disse: Já comi a orelha senhor! Pode crer! Para ver se era verdade o monstro perguntou: Orelha, onde você está! Esta responde: Estou aqui na barriga de João! Agora sim diz o homem, assim é se faz, tem que obedecer seu superior. Joãozinho ficou aliviado com a resposta do homem, parecia que algo diferente ia acontecer em sua vida, sentia uma alegria que nem ele sabia de onde vinha. De repente o homem olhou para a cara do menino e disse-lhe: Estou com nojo de sua cara, cate suas roupas e me acompanhe, porque aquela sua madrinha não deixa de me perturbar, quer você lá com ela de qualquer maneira, ainda hoje sem falta! Você mudou muito depois que sua madrinha deu por sua falta. É uma pena que lhe bati pouco, era para tu ser sovado por mim de laço até falar inglês, sua madrinha e aquela mulher vestida de branco atrapalhou todos os meus planos, nunca pude e nem posso com ela, por ser muito  forte e poderosa, a sua madrinha é devota dela. Chegando lá avise sua mãe que a qualquer momento irei buscá-la para que fique no seu lugar, você era meu, e não sendo mais, ela vai ter que ficar no seu lugar, porque a gente aqui não pode perder tempo. Ela praguejou você, ela também é minha. Aqui é o lugar das pessoas que vivem xingando e praguejando os outros. Lugar dos bocudos e das pessoas más. Fique sabendo que aqui é o inferno, viu? Sou o manda chuva, o chefão, o mandão daqui.  Se você consertar a vida escaparás de mim, e se continuar como era, vou te buscar de novo e nunca mais sairá daqui, te enforco primeiro e depois te trago. Quero ver escapar das minhas garras. Dizendo isto trouxe a mula e deu ordem á esta que derrubasse o menino lá no terreiro de sua madrinha. A mula fez direitinho, derrubando-o, ainda deu-lhe um coice na cabeça mas não acertou. Joãozinho chegando correu para os braços de sua madrinha e esta o abençoou de coração, deu-lhe banho com água benta, jogando suas roupas sujas e imundas fora, deu outras novas, deu-lhe de comer, estava magrinho de dar dó, arrumou sua caminha. Ela ficou muito feliz, acabou de criar seu afilhado com o maior mimo, ensinou-lhe a rezar e ser obediente á madrinha. levava-o á missa fazendo dele um bom menino e um bom cristão.

"CAUSO" E CONTO ANTIGO QUE TRANSCREVEMOS PARA O NOSSO BLOGGER.

"COISAS DE CABOCLO DE LUIZÃO-O-CHAVES"-- 20 DE MAIO DE 2016

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