domingo, 24 de maio de 2015

NUNCA DIGA ASNEIRAS, ALGUÉM OUVE! Parte 1.

        

  Já há dois fins de semana que estou esquecido pelo povo festeiro, será que já arranjaram outro que é melhor do que eu? Talvez não filho! Respondeu sua mãe! Mas não é possível? Nunca fiquei tanto tempo sem ser procurado pelo povo? Aqui nesta região não existe quem toca melhor que eu! Ante estes argumentos sua mãe se calou. O rapaz continuava inconformado por ser bom sanfoneiro e ter ficado no esquecimento. Até agora não falhou um fim de semana que eu ficasse em casa sem nada para fazer. Deixe disto filho, vá treinar mais, aperfeiçoar seus dotes, afinal você é meu filho e eu quero vê-lo a cada dia melhor que antes. Treinar pra que, se já sei o suficiente, sou capaz de tocar até no inferno que ninguém me porá defeito mãe! Está maluco Frederico? Perdeste o juízo? Não tens temor a Deus mais? Perdeste a fé em Nossa Senhora? O que é isso meu filho? Quer matar sua mãe antes do tempo com uma conversa dessas? Que atrair maldição para sua casa? Por causa de um baile? Pare com isso? Tomara eu ouvir isto de você? Pegando uma açoiteira, deu umas lapadas bem dadas nas costas do rapaz. Isto é para você nunca mais abrir a boca e ficar falando asneiras, ouviu? Apesar de ser moço já formado apanhou sem emitir um ai! Perdão mamãe, não direi mais isto! Prometo á senhora!  A mãe muito católica e devota de N. Senhora saiu dali e foi lá no altar no seu quarto e no oratório rezou uma Ave-Maria, acendeu uma vela no castiçal e saiu para a cozinha. O rapaz cabisbaixo foi sentar lá fora no galpão. Ficou lá com as mãos no queixo pensando na asneira que tinha dito, e nas consequências que aquelas más palavras poderia lhe trazer. Tudo o que a gente fala tem alguém na espreita, ouvindo tudo! Arrependeu-se! Sua mãe era viúva, acabou de criar o filho desde quando este ainda era pequeno, lidavam na roça, criavam galinhas, porcos, ovelhas, cabras e animais de montaria, e a chacrinha onde moravam era de sua propriedade. Viviam bem, de nada tinham falta, tempos antigos, estudos era coisa de outro mundo, o filho desde pequeno gostava de uma acordeona, era sua paixão, tinha uma gaita destas que seu pai antes de morrer lhe presenteara, Naqueles tempos não existia, músicos, duplas ou alguém que tivesse banda, orquestras, grupos, trios, quartetos e outros. Ninguém se dava ao luxo de viver só de músicas e tocatas, eram pessoas que isto faziam por gostar e ainda tocavam em festas e comemorações de graça. Ninguém vivia disto como é nos dias de hoje. Bailes familiares, bailes em festividades religiosas nas datas certas delas e por aí afora. Havia também os repentistas, um ou outro que cantava sozinho sempre nas mesmas modalidades festeiras. Ao redor deles léguas e léguas eram conhecidos e procurados para tais fins. Mas voltando ao rapaz que estava lá no galpão olhando para o chão, ouviu um tropel de cavalo vindo lá longe, olhou com insistência e divisou um cavaleiro a galope numa mula, vinha levantando uma poeira que só vendo. Este chegando estacou no terreiro e vendo o rapaz ali, cumprimentou-o alegre e já foi dizendo: Vim buscá-lo para ir tocar lá para a negrada, estão com a sola dos pés coçando de tanta vontade de dançarem. Malucos para sacudirem o esqueleto. Arrume logo e vamos porque o tempo é curto e é longe. Sua mãe ouvindo a conversa saiu na porta e disse boa tarde ao forasteiro, este ficou meio sem jeito quando viu a mãe do rapaz. Ela fitou-o longamente e sentiu um arrepio, deu lhe um mal estar repentino, a sua montaria estava tão suada que pingava o suor no chão. Ela perguntou-lhe: De onde o senhor é? Ele disse: Sou lá das quebradas! Lá embaixo, bem no fundo onde é quente pra chuchu nesta época. As negradas lá estão doidas pra dançar e vim buscar teu filho para tocar para eles. Hoje é sábado mesmo, e ele está sem fazer nada. Ela ficou achando aquele homem esquisito, olhou-o da cabeça aos pés, viu os pés redondos parecidos cascos de animais, mal vestido, e com uma catinga insuportável quando o vento deu dele para ela. Um sujeito feio, mal-encarado, barba rala, com um cavanhaque parecendo de bode. Ela imaginou consigo, isto não me cheira bem, este homem parece um espectro do mal, só pode ser o anjo das trevas. Um chapéu velho sem uma parte da copa. Ficou apreensiva. O filho estava tomando banho para seguirem a viagem, terminou de se arrumar logo e saiu com a sanfona nas costas e na caixa onde era guardada. Numa sacola as suas roupas de festas porque certamente chegaria sujo e suado com poeira da viagem. Ele não percebeu nada de anormal, mas sua mãe estava incomodada com a presença daquele forasteiro e desconhecido. Despediu da sua mãe, abraçou-a e beijou-a na testa com carinho e ela lhe disse: Vai com Deus e Nossa Senhora meu filho. O Cavaleiro respondeu: Não, não precisa de ninguém mais lá, a gente resolve só. Ele será bem cuidado, viu dona? Monte na garupa rapaz e segure porque a minha mula é muito ligeira. Vamos embora! E saíram numa arrancada que o rapaz quase cai da garupa e fica no chão. A mãe os viu sumirem na poeira, entrou pra dentro e acendeu outra vela nos pés da sua Santa pedindo-a que guardasse seu filho. A mula parecia voar, nem tocava os cascos no chão, ia subindo a cada esporeada que o cavaleiro lhe dava. Dali a poucos instantes ele pode ver que estavam acima do chão e voando, grudou no condutor do animal para não cair. Este lhe reforça, segura mesmo, que estamos no fim da viagem. De repente pareciam estar entrando numa estrada pedregosa, a mula tropeçava nas pedras, quase caiam, e como se estivessem entrando num labirinto apertado e descendo cada vez mais numa pirambeira igual nos pés de serra onde só havia valetas, buracos que quase engoliam os dois com a mula e tudo, um calor insuportável a cada passo que davam, entraram num buraco parecendo um parafuso de rosca ao avesso. De repente entraram numa caverna, e lá no fundo viam-se luzes e uma gritaria de gente festejando. O homem disse-lhe: Fecha os olhos, que estamos chegando, atravessaram uma mata dentro daquele buraco enorme e as folhagens dos arbustos das beiradas batia-lhe no rosto, de repente o animal parou. Chegamos disse o homem! Ele saltou da garupa e nem sabia a direção de onde tinham vindo e muito menos viu onde estava, era um casarão velho com as paredes escoradas e muito esquisito, logo uma turma veio abraçando ele dando-lhes boas vindas. Chegou o sanfoneiro, turma! Outros pegaram a sanfona e ele do braço e os carregaram para o salão todo enfeitado, de todas as cores, gente que dava medo ver a quantidade. Já foram se agarrando, rodopiando e dançando, nem deram tempo para o rapaz se arrumar. Lasca a sanfona ai gaiteiro! Cutuca a pé-de-bode, gritaram a turma! Ele esticou a pé-de-bode enchendo o fole sem dó, estava com vontade de tocar mesmo. lá pelas onze meia da noite ele reparou, uns com rabos, outros peludos, parecendo cães, ursos, felinos, lobisomens, de escamas parecendo cobras, aspectos de bruxas, outros com chifres, as unhas grandes, olhos vermelhos e a cada minuto que se aproximava da meia noite iam assemelhando a demônios, um povo todo vermelho da cor de fogo e seminus, as cores do salão ficaram vermelhas também, o moço sentiu um pavor, um medo tamanho que começou a dar-lhe calafrios na espinha, aquela gritaria infernal, cheiravam mal, uma podridão que ele não suportava mais. De repente ele ouviu uma voz lhe chamar: Frederico! Ele sentiu melhor, animou, deu vontade de ir embora, mas não tinha coragem de pedir ao homem que havia lhe trazido a levá-lo embora. Nem sabia pra que lado sair. Nem precisou, o tal aproximou dele com uma cara ruim e disse: Já tá na hora de você ir embora! Aquela mulher vestida de branco com uma coroa na cabeça te chamou, eu escutei a voz dela. Vou te falar uma coisa: Fui lá te buscar porque disseste que tocaria sanfona até no Inferno, Lembra-se?

Continua...

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