Certa ocasião numa cidadezinha interiorana do Estado de
São Paulo que era muito distante dos grandes centros, lugarzinho onde toda a
população era dada ao trabalho, os garotos frequentavam uma escolinha de três salas
de aulas, os chefes de família trabalhavam nas roças, ali nas redondezas. Os
idosos também ainda davam um murro danado nas capinagens das roças diversas,
nas colheitas e na ruação dos cafezais, roças de amendoins, algodoais,
canaviais, nas criações diversas pois naqueles tempos não haviam aposentadorias
como nos dias de hoje, as idosas eram na sua maioria rendeiras, teciam redes,
baixeiros de lã de carneiro e outros artigos do gênero. As moças ajudavam seus
pais na roça. Outras que seus pais tinham comércio, ajudavam nos armazéns e
lojinhas. Sabem aquelas cidadezinhas pacatas? Esta era uma delas. Não se ouvia
e nem viam violência de modo nenhum. Tinha uma delegacia pequena, seus
funcionários e o delegado quase não tinham o que fazer, depois de cumpridos os
horários do expediente iam aos bares bebericar ou para suas casas. Três soldados
da polícia, um sargento, e um cabo, faziam a ronda por obrigação e tiravam
plantão na cadeia que era pequena também, isto quando tinha prisioneiros, tinha duas celas, uma
varandinha na frente, uma saleta, uma cozinha, uma dispensa e um quarto onde o
plantonista dormia depois das 23:00 horas. Além do carcereiro um baita de um
polaco de quase dois metros de altura. Tinha fama de batelão, ganhara este apelido porque não tinha dó de
ninguém, para bater nos outros era com ele mesmo, era o corretivo dos
malandros, quem caísse nas suas mãos estava perdido, sua fama foi longe, era
temido, quase só por isso que ninguém ousava arranjar encrencas por nada com
medo de ir preso e cair no laço. Sempre esta tarefa é dos policiais, mas ele tomou a frente por ser mais antigo na organização de segurança local e por instinto de perversidade. O delegado não se importou, com a sua atitude, sem problemas dissera. Então o polaco cresceu dentro da profissão de surrar quem merecesse na cadeia. Na cidade tinha um motor estacionário
importado e movido á óleo cru lá no alto de uma das ruas que fornecia luz até
as 22:00 horas, isto quando não enguiçava e ficavam sem luz até por três dias.
Energia diária eram só para o comércio, bares, armazéns, sorveterias, duas
pensões e um hotel pequeno e nada mais. As iluminações noturnas de um modo geral
nas casas eram lampiões a querosene e lamparinas, quem tinha uma lâmpada
elétrica em casa era só os burgueses. Dali nunca surgiram malandros ou ladrõezinhos
baratos, pois todos os meninos e jovens eram bem criados e sabiam só trabalhar
com seus pais. A noite quase ninguém saia, a não ser nos fins de semana quando
tinham quermesses na igreja católica, missas ao anoitecer e alguns terços em casas
de família, um bailinho familiar para os moços e moças se divertirem e
namorarem, até mesmo arranjarem casamentos, em épocas das festividades também.
Aos domingos iam ao campo de futebol ver as peladas do povo dali mesmo, havia
jogos de: Maias, bochas e raias, corridas de cavalos e jogos de truco para os
idosos até mesmo nos vizinhos á noitinha e aos sábados de tardezinha. Domingo á
tarde lá pelas cinco horas encerrava toda as diversões, pois amanhã é
segunda-feira, dia de trabalho. Esporadicamente aparecia por lá algum
forasteiro vindo de outras localidades, as autoridades dali já percebiam a
presença do estranho, lugar pequeno é assim, todos conhecem todos, se tivesse
algum de passagem ou procurando algum parente ou serviços braçais não era
incomodado por nada, mas se a policia desconfiasse que era algum vadio vindo de
outro lugar advertiam-no, aqui não deixamos ninguém ficar vadiando pelas ruas
em dias de semana. Se teimasse iria preso e o carcereiro da cadeia dava um
banho de borracha e salmoura no dia seguinte para ir embora e não voltar mais
ali. Ninguém faz ideia de quantos por ali passaram. Num dia desses os policiais
na ronda costumeira deram de encontro lá pelas 22:00 horas com um sujeito
desconhecido dali e de todos, andando a esmo pela rua procurando um espaço para
reclinar a cabeça nem que fosse em alguma porta ou portão fechados. Era um moço
bem novo, aparentava uns 25 anos, robusto, bem dotado fisicamente, boa altura,
lá pelos 1.85m ou mais. Aqueles sujeitos
de pouca conversa, e que presta atenção
em tudo o que lhe dizem. Boa aparência mas muito mal arrumado, apenas com um
embornal de roupas sujas dentro, um sabão, uma pasta de dentes e uma toalha
velha da cor do chão. Parece ter vindo de longe e com muitos dias de viagem. Dava até pena do moço. Foi interrogado pelos seguranças
rondando naquele horário, obtiveram como
resposta do individuo: Não sou daqui, venho do norte e a procura de serviços,
sou sozinho no mundo, não tenho família, parentes e nem aderentes, não conheci
meus pais, fui criado por terceiros e ando pelo mundo desde meus 14 anos de idade em busca da sorte,
quem sabe ela está por aqui. Nunca fiz mal á ninguém, não sou mau elemento como
os senhores estão pensando, mas estou em vossas mãos, durmo nas portas de algum
bar ou armazém se o seu dono deixar. Quando tenho dinheiro paro na pensão ou
hotel, hoje estou sem recursos. Parece que a sorte me abandonou, mas corro
atrás dela mesmo assim. Aqui não tem sorte para pessoas como você, estranhos, vagabundos,
sem o que fazer, sujo e maltrapilho sem documentos sem nada que vos
identifique, lugar deste tipo seu, aqui conosco é na cadeia, e lá tem um
carcereiro que cura qualquer doente da mente ou outra doença. Ele bate
colocado, sem errar uma "Lapada" disseram os dois policiais. Estenda
as mãos, queremos vê-las se tem calos nelas e se trabalha mesmo! O rapaz fez o
que lhes foi ordenado. Tinha calos sim, e nos pés tinha uma botina "Testa
de touro" bem conservada até, está bem, responderam os policiais.
Colocando as algemas no rapaz disseram: Não podemos deixar você á esmo por aí.
Qualquer policial só pensa mal da gente. Para eles só existem pessoas más e
delinquentes. pensou o moço. Vamos andando, dormirá na cadeia esta noite e
amanhã pela manhã terá uma surpresa, o batelão está sem serviços há algum
tempo, está com as mãos coçando, o chicote está sujo e precisa ser limpo nas
costas do primeiro que chegar, você foi premiado. O rapaz ficou calado com
aquele deboche á suas custas. Sem querer já tinha arrumado um grave problema.
De fato fazia muito tempo que não aparecia ninguém por aquelas bandas para ser
surrado pelo Polaco. Parece que até a vizinhança da pequena cadeia davam por
falta dos gritos de socorro de algum "azarado" que por certo cairia
na "peia". Aquele espetáculo era rotina quando tinha freguês. Lá se
foi o rapaz sem oferecer resistência alguma na ordem de prisão dos policias.
Cadeia vazia, sem plantão, sem nada dentro. Cela empoeirada, teia de aranhas
para os cantos e um colchão velho de capim lá num canto. Os dois fecharam o
moço e trancaram o cadeado, foram embora rindo do infeliz e da má sorte que o
esperava assim que o dia amanhecesse, passaram na casa do "Polaco" e
lhe avisaram que tinham novidades para ele, este ainda estava acordado e
jogando damas com o seu vizinho. Está bem e obrigado, disse aos policias.
Amanhã veremos. Quando amanheceu o novo dia e no café da manhã a sua esposa
estava apreensiva e disse-lhe: Esta noite tive um sonho muito ruim com você
amor, eu via você deitado no chão e em silêncio, será que você vai morrer? É um
aviso que algo não vai bem em nossa vida? O que será que é? Que nada querida
responde o Polaco, sonhos é pura tolice. Estamos bem. Trocou de roupas e foi lá
para a cadeia, era uma subidinha, a cadeia ficava lá no alto ao lado do campo
de futebol, o vizinho mais próximo ficava uns cem metros dali, era isolada a
casinha de detenção. Quando o Polaco chegou e adentrando o recinto com ares de superioridade, semelhante a um leão quando olha os outros animais felinos com desprezo, com pouco caso, ostentando a juba que é sua corôa de rei da selva. De fato o Polaco era uma fera, parecia um gato faminto quando pega um camundongo indefeso, viu o sujeito
encolhido num dos cantos da cela. Nem bom dia falou, só avisou-o: Sabe quem eu
sou? Sou o Polaco! O terror dos vagabundos, sabia? Ninguém passou por aqui duas
vezes, a não ser que não tem dó do couro do lombo. Prepare-se: Faz tempo que não coço as
costas de vagabundos. O rapaz ficou olhando aquele monte de músculos com um chicote,
um rabo-de-tatu na mão, aqueles que tem uma argola grande de metal amarelo por
onde se enfia a mão, estava na esquerda,
e um 32 niquelado por baixo da camisa, um pedaço de pau roliço emborrachado do
outro lado. Pensou consigo: É tudo ou nada! Você ou eu, meu camarada! É agora ou nunca! Será a vida ou a morte para um de nós dois! Por ser
um sujeito andado, do trecho, do mundo, escolado na vida, conhecia quase todas
as situações de embaraços, e os percalços desta vida, as dificuldades que ela
impunha aos menos favorecidos pela sorte, como sair ou encontrar soluções
diversas, tinha aprendido muito nestes 25 anos de vida até ali. Era um dos
maiores desafios que contemplava agora! Ficou estudando o carcereiro e seus movimentos
enquanto abria o cadeado, abriu e adentrou a cela, virando-se de costas para o
moço enquanto trancava o cadeado por dentro para que o prisioneiro não tivesse
chance nenhuma de escapar, era a sua técnica maléfica de judiar dos infelizes
que os tinha em suas mãos. O moço levantou e ficou em pé no canto onde estava
sentado. Com os braços livres ao longo do corpo, como faz o herói do faroeste,
movendo as mãos, fechando-as e abrindo, pronto para o que der ou vier. Parecia
um felino preparando um golpe mortal na caça! Ou o macharrão da pintada quando esta sobe e ele fica sentado no chão fazendo caretas para o caçador, acuados por cães com cincerro no pescoço. Sabia que estava em desvantagem
frente aquela temível fera, mas lutaria pela vida sem temer nada! Era um homem
de coragem sem dúvidas, ainda mais que as circunstâncias do momento obrigavam-no ser como uma
pantera acuada na mata. Dizia de si para consigo: Se pensa que não sei me defender? Está muito enganado! Desta vez casará a sua filha mal-casada! Quando o Polaco virou de frente para ele recebeu um
coice duplo, aquele dos pés juntos, uma espécie de tesoura voadora, mas fechada ali na parte íntima, ali nos países baixos,
onde nós homens não suportamos dores, no golpe rápido, preciso, fulminante, e como
um relâmpago o moço já estava de pé, novamente pronto para um novo ataque caso o
primeiro não surtisse o efeito desejado. Mas foi fatal o primeiro. O homem carcereiro esmoreceu, viu o Polaco caindo sentado de costas para a porta da cela, sem ao menos esboçar um gesto de
defesa, com as duas mãos segurando os órgão genitais e cego de dor, o
homem esmorecido, se entregou de vez, o rapaz prisioneiro deu um segundo golpe
com os joelhos, somente no rosto do batelão que estava curvado para a frente,
pois tentara levantar, acertou-lhe o rosto em cheio, este rolou no piso, parecia um lutador profissional que não erra um golpe, tomando-lhe o rabo-de-tatu das mãos, virou-o dando duas argoladas na cabeça,
que espirrou sangue nas paredes, pegou o cacetete e deu-lhe várias pancadas na nuca
para desequilibrá-lo definitivamente. Este gritou por socorro! Gritava para
tudo o que era Santo que do seu nome sabia! Uma gritaria sem fim! Berrava igual
macaco na peia! Nada adiantou! Aquilo era normal O rapaz batia-lhe no rosto, na
boca, no nariz, na cabeça em qualquer lugar onde a cacetada acertasse. Batia nas suas mãos para quebrar-lhe os
dedos, batia lá em baixo, Tirou-lhe as armas, com ele já mole no piso de tanto
apanhar. Não esmoreceu, não teve pena, bateu-lhe até cansar. Tomou um fôlego,
olhou bem para o batelão já entregue para as baratas, tirou o molho de chaves
da cintura deste, abriu a cela, voltou e tirou-lhe as roupas, deixando-o semi nu,
antes porém meteu a mão num dos seus bolsos, tirou um punhado de areia ajoelhou
no seu ventre, de joelhos na barriga dele, abriu os olhos do carcereiro com os
dedos e meteu areia neles sem dó nem piedade, socou com a ponta do cacetete, o Polaco
só gemia, nem forças tinha mais para gritar por socorro, levando as roupas do carcereiro saiu com a
maior naturalidade andando, assoviando como se nada tivesse feito de errado e foi-se embora deixando-o trancado com cadeado por fora, levou as chaves também! Atirou-as
bem longe dali! Levou só a arma de fogo no seu embornalzinho. Lá se foi o moço
a procura de sua sorte! Ninguém deu por fé daquela situação que o Polaco se
encontrava! Ninguém se preocupou com aqueles gritos de clemência e socorro pelo
carcereiro que ecoavam longe e todo mundo ouvia. Alguns da vizinhança sentiam
dó daquela infeliz criatura que o carcereiro judiava, pensando que era outro
preso. Outros davam risadas. Era rotina aquilo. Já virando o meio dia alguém
sentiu falta dele, a sua esposa! Demorava chegar! Foi na cadeia e deparou com
aquele quadro horripilante. Quase desmaia de tanto terror! Saiu gritando para
todo mundo que seu marido estava morto e trancado dentro da cela. Delegado e
seus policiais fora acionados. Em menos de quinze minutos a cidade toda sabia do acontecido. Vieram todos e mais a multidão de curiosos para
verem o ocorrido. Tiveram que serrar as grades para tirá-lo.O delegado
disse-lhe porque não pediste socorro a nós, homem? Ele respondeu: Gritei tanto
mas ninguém me ouviu, nem me socorreu. Os populares acrescentaram: Quem
esperava uma coisa dessas? Isto nunca aconteceu! A gente pensava que era outro
caindo no cacete. Um dos mais experientes na vida retrucou: Há sempre a
primeira vez gente! Outra coisa: Quem vai dar, tem que ter um saco para trazer!
Poderá ganhar também! Não há primeiro sem segundo! Outros disseram: Em quantos
infelizes ele bateu sem dó! Este nunca mais baterá em ninguém, podem crer! Um
velhinho pra lá dos oitenta em meio á multidão observou: Até que demorou para
isto acontecer! O mundo ensina quem não sabe viver! A terra clama ás dimensões
superiores quando nela tem demais injustiças e sangue inocente. Este rapaz veio a este lugar sob encomenda da
justiça Divina! Capricho do destino! Ninguém sabe se alguma vítima praguejou o polaco para que isto acontecesse! Ou
se alguma mãe ou pai de um filho tão querido se ajoelhou e clamou por juízo?
Tudo pode acontecer, homem é um ser mais imprevisível e perigoso que se
conhece. Este desconhecido tem um cunho de justiceiro, algo do sobrenatural flui deste ente estranho. Nunca saberemos quem é ele! O homem evaporou, nem vimos quando chegou
aqui e nem quando ele foi embora. Levaram o Polaco para outra cidade em busca
de socorro, todo mole, arroxeado, alquebrado e da cabeça aos pés banhado de
sangue, o rosto parecia uma jaca de inchado e cheios de caroços, ou hematomas
com sangue pisado, não conseguia se mover, parecia um morto mesmo. Olhem o
sonho da sua esposa dando certo! Ficou um mês e pouco no hospital, quando saiu ficou
cego para o resto da vida! Ditado popular: Aqui se faz, aqui se paga!
"COISAS DE CABOCLO DE
LUIZÃO-O-CHAVES" 18/11/16
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