Estava para chegar á
margem esquerda do rio, faltava nadar mais alguns metros e pronto, estaria
livre do pior que poderia me acontecer. Ufa! O coração faltava pouco sair pela
boca, as minhas pernas cansadas não obedeciam mais o comando do cérebro, rio
largo, aguas pesadas devido a pouca correnteza, braços já cansados também. Mas
enfim cheguei são e salvo do outro lado. Salvo as marcas dos dedos do meu
agressor na minha garganta. Alcançando a terra firme, deitei no solo exausto.
Deixava para trás uma tragédia, uma vida, uma pessoa inerte, estendida no chão,
uma dor no peito que jamais aliviaria. Uma lembrança triste, um sentimento de
amargura, e um pensamento: Será que Deus me perdoará pelo que fiz? Será que agi
em legitima defesa? E se eu não tivesse feito? O que poderia ter acontecido
comigo? Estaria no lugar daquele individuo malfazejo com certeza. Só eu sei a
angústia que senti quando ele me sufocou pegando-me pelo pescoço e me apertando
contra o chão. Estava numa agonia terrível! Ele estava ajoelhado em cima de
minha barriga, era maior do que eu, e tinha mais forças, me dominou com certa
facilidade quando me pegou. Eu sou franzino comparando com o seu corpanzil. Pensando
que era brincadeira dele quando me agarrou. Mas não era! Nas últimas reações de
sobrevivência, o instinto de vida me recobrou os sentidos e me ativou a mente,
parecia me dizer: Cadê sua arma? Tire-a da cintura e reaja, senão você morre!
Senti uma força sobrenatural apossando de mim, num gesto de desespero pude tirar
o meu 32 da cintura que estava na parte de trás e eu por cima dele, era
impossível acontecer uma coisa daquelas. Mas deu certo. Consegui tirá-lo,
apesar de sua mão forte me apertando a garganta consegui vislumbrar o seu
queixo enquanto ele olhava para os companheiros de acampamento que tudo presenciavam
rindo sem mover um dedo em meu favor, o bruto dizendo á eles: Querem ver como
se mata porco? Levou a mão direita na cintura por trás para sacar a faca e me
degolar, mas fui feliz, a faca ao sair da bainha enroscou em sua camisa, ou no
cós da calça custando sair e nesse interim, coisa de fração de segundos
coloquei o cano do meu revólver que era curto embaixo do seu queixo sem que ele
percebesse. Apertei o gatilho, no estampido vi sair do alto de sua cabeça um
tampo de miolos e um jorro de sangue que jamais verei uma coisa daquela. Aquele
pacote humano que estava em cima de mim, caiu para trás, me desafogou, sai debaixo
dele com dificuldade eu estava já nas últimas do fôlego que possuía. Eu não
havia bebido cachaça, mas ele bebera, estava meio bêbado, por isso fez aquilo
comigo. Nunca esperava uma coisa dessas, era meu sobrinho de sangue.
Trabalhávamos no mato tirando madeiras, postes de cerca, firmes, dormentes,
postes de luz, palanques para mangueiros etc. Éramos habilidosos nessa arte.
Mais de 20 companheiros no acampamento, um sábado á tarde, todos de folga, uns
tocando violão, outros cantando, uns deitados na rede ou tarimba, outros numa
roda de truco e a maioria tomando cachaça entre eles este meu sobrinho que era
muito ruim na bebedeira. Fatídica tarde para mim, fim de uma vida feliz, tinha
deixado a família para ir trabalhar longe de casa para levar o sustento para
ela. Meu Deus, e agora? Sentado na margem do rio enquanto descanso, com a roupa
ensopadinha, sem um triste documento, nada nos bolsos. Do jeito que sai debaixo
do homem, levantei e olhando ao redor ainda com as vistas embaçadas pelo quase
estrangulamento que sofri, ainda tive a coragem e uma loucura de dizer: Quem de
vocês aí achou ruim? Estando com a arma em punho, faria o que fosse possível
para sair dali ileso. A turma abriu e correram, aproveitei e sai correndo na
direção do rio que banhava os fundos do acampamento, caí n’agua com a arma em
punho, lá no meio do rio que era largo de dar medo deixei-a cair da mão, estava
me atrapalhando a sulcar a agua para nadar mais rápido. Agora em terras
estranhas, sem conhecer a sua língua, seus hábitos e costumes, sem conhecer
ninguém do outro País. Atravessei a mata que tinha do outro lado, andei quase a
tarde inteira já no escurecer ouvi um canto de galo, imaginei: Tem gente por
aqui? Vou aproximar, fui com cuidado a roupa ainda meio molhada e cheguei num
casebre de pessoas pobres, um rancho, lá vi uma família com duas crianças. Sem
saber falar nada de português, fiz senha que estava com fome e queria um prato
de comida. Eles perguntaram meu nome, quem eu era e donde vinha. Sinalizei que
era sozinho e vinha viajando de lá do outro lado do rio. Mostrei alegria e eles
me acolheram com carinho. Ficaram me olhando, perceberam que eu era
estrangeiro, mas eram alegres. Sentei-me num toco no terreiro, eles me
convidaram para tomar chimarrão. Eles mostraram que conheciam um pouco da minha
língua, características das pessoas fronteiriças, ficou mais fácil, só não
sabiam falar direito. Nós nos entendemos logo, jantamos proseamos um pouco e
logo me deram uma rede para dormir na sala. Passei a noite em claro. Na cabeça
mil e um desconforto. Mas logo cedo comemos alguma coisa e decidi ir embora, me
ensinaram por onde seguir e dar num vilarejo longe dali. Deram-me uma matula
para comer mais tarde, por ser longe. Despedi deles até com lágrimas e fui.
Virando do meio dia cheguei ao vilarejo. Algumas casas e só. Ouvi alguns
falando meu idioma e logo me animei. Fiz conhecimentos e amizades que logo me
gostaram e arranjei um empreiteiro que me ofereceu serviços. Estava precisando
mesmo, dali fomos para mais longe e trabalhamos muito tempo até juntei um dinheiro
e tirei meus documentos com outro nome e nacionalidade. Tudo clareou em minha
vida. O passado não me importunava mais. Aquela horrível cena desaparecera de
minha mente, era outro homem, feliz agora, entre aspas. Estava vivendo bem.
Para a minha família foi como se eu tivesse morrido. Nunca mais a procurei! Já
falava corretamente a outra língua só o sotaque da minha língua de origem que
nunca perdi. Trabalhei uns anos com este patrão que muito me estimou. Sempre
fui honesto e trabalhador, sendo de confiança dele nos serviços que lhe
prestava. Já andava chique, bem arrumado, boas roupas, dinheiro, amigos, mas
como nunca gostei da cachaça, continuei o mesmo. Só que á ninguém dizia de onde
tinha vindo, era um forasteiro sem pai e nem mãe e criado por mãos alheias e
pelo mundo afora. Sempre em segredo á minha vida passada. Não quis mais
adquirir outra família, solitário é melhor. Num dia terminamos os serviços de
uma fazenda e mudamos para outra. Esta era banhada por um riozinho, um riacho
melhor dizendo. Do lado de cá era um porto, onde a gente tomava banho e lavava
roupas. Do outro lado era uma praia de uma areia extensa e alva como lã, depois
uma mata fechada, era a reserva da fazenda com certeza. Logo no primeiro fim de
semana, lá pelas 2 horas da tarde resolvi ir lavar umas peças de roupas, fiz a
trouxa e dirigi para a beira do riacho. Era uma descida natural de toda margem
de ribeiros lá embaixo na beiradinha da agua tinha uma laje de pedra natural de
beira d’agua, assim bem plana onde a gente se sentava e ás vezes estendia
roupas para coarar um pouco. Quando fui descendo e olhando para os degraus de
terra com cuidado para não tropeçar, levantei a vista para o córrego. Olha a
surpresa desagradável que me aguardava: Lá do outro lado na praia em pé estava uma
figura, a do meu sobrinho, parecia uma estatua, aquele que eu havia matado
alguns anos atrás. Tomei um choque e pensei. Não é possível este homem estar
vivo? Meu Deus e agora? O que vou fazer? Fitava-me sério, com aquela mesma
roupa daquele dia triste para nós dois. Tirei as vistas por segundos enquanto
olhei de lado. Pronto: Sumiu aquela aparição esquisita! Nem rasto ele deixou na
areia! Voltei dali para o barraco e nem
a roupa tive vontade de voltar e lavar. Sentei na cama, fiquei pensativo com
aquilo. Chorei muito ao recordar aquele desastre na minha vida. Estragou meu
dia! Pedi as contas, o meu patrão tomou um susto. Mas porque vais embora rapaz?
O que aconteceu amigo? Assim de repente? O que falta para você? Mil
interrogações além destas. Nada respondi! Apenas disse-lhe que estava com
saudades de correr o trecho. Ia embora mesmo. Despedi dos companheiros com uma
tristeza sem fim. Envelheci, já tenho mais de 60 anos, sózinho, solitário,
doente e infeliz. Antes de partir desta vida terrena, espero que Deus me
perdoe, pelo pecado que cometi. Este mundo é em muitos casos ingrato para
alguns. Deixo um recado para os leitores deste conto: Cuidado com más
companhias. Independente de serem parentes. Uma delas poderá ser sua perdição!
Não existe coisa pior nesta terra do que tirar a vida de alguém! O teu sossego
e a tua paz, desaparecem do seu coração, ele fica árido, seco e frio, o teu
espirito é tomado por uma angústia sem fim, sem consolo, nada está bom para
você.
(Este conto é
verdadeiro, o personagem que tomamos o seu lugar para contar esta história é de
origem Paraguaia. Mui amigo mesmo, o chamávamos de “Caraí.”) Já é falecido!
HISTÓRIA E FATO QUE
OUVIMOS DESTA PESSOA QUE QUERIA ALIVIAR O CORAÇÃO!
ANO 1985. PARA NOSSO
BLOGGER “COISAS DE CABOCLO DE LUIZÃO-O-CHAVES”
ANASTÁCIO MS.
23/04/2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário