Passados mais ou menos umas
duas semanas que o Antonio louco pegou uma cruz no cemitério a meia noite, lá
pelas tantas de uma madrugada dessas lá vem o fantasma me acordar: Devia ser
uma hora ou mais passadas da meia noite daquele dia, hora sinistra, sombria,
silenciosa, o luar era cálido, algumas nuvens de sombras ora encobria a lua ora
a descobria, o ar estava parado, não se movia uma folha de mato sequer, nem os
grilos e os insetos noturnos cantavam ou voavam como de costume. A mãe natureza
parecia estar triste ou avisando que alguma coisa não ia bem, se ouvia muito
longe um pio de coruja de um modo muito agourento conforme nós os caboclos
costumamos dizer, canto lamentoso? Isso dá azar, gente! Logo no anoitecer
ouvimos um rasga-mortalha passar voando e com seu canto de arrepiar deu um:
rrrrrrrrrrrrrrrappp rrrrrrrrrrrrrraaaa na direção da estrada acima, curioso
como sempre fomos saí as pressas no terreiro olhando para cima e na luz da lua,
conseguimos vê-lo, ave de costas escuras e por baixo é branca, já se afastava
uns cinquenta e poucos metros da nossa
casa, com aquelas batidas de asas compassadas e silenciosas na direção da casa
da dona Carmen, que ficava depois da casa do velho Zé. Nem ligamos para o aviso
da ave noturna, fomos nos deitar para dormir. Nós com muita saúde e jovem como
éramos, não conseguíamos conciliar o sono, sentiamos até uma leve insônia, não
tinhamos preocupação nenhuma a ponto de perder o sono. Virei o travesseiro para
o lado dos pés da cama, dizem que este gesto espanta até os espíritos da
insônia ou outros que vem amolar a gente ou avisar de qualquer coisa má que vai
acontecer com a gente ou com amigos. Deu certo, consegui ter uma madorna,
parece que já estava sonhando até, quando ouvi umas palmas no terreiro. Pá pá
pá. Ô de casa?. Acordei meio atônito, sem saber de que lado vinha aquele
barulho de um par de mãos afobadas batendo insistentemente. Levantei a cabeça
do travesseiro para ouvir melhor, repetiu as palmas, era no meu terreiro mesmo.
Me chamaram pelo meu nome, aí eu reconheci a voz, era o Antonio louco, Antes de
responder pensei: O que será que o Antonio está aprontando a estas horas? Logo
no meu terreiro? Mas respondi: O que é Antonio? Abrindo a janela do lado da rua
e vendo-o no claro da lua. Ele disse: O meu tio José morreu agorinha, faleceu o
velho e vim te avisar. Ah! sim! Mas isto é verdade menino? Verdade sim, retruca
ele. Já vou indo, mas antes porém me faça um favor, você tem bicicleta, vá lá
embaixo na extensão da beira do córrego, lá nos fundos da Colônia e avise o seu
Louro, seu Mariano e o velho Otacílio com as famílias, quem sabe eles virão
para o velório do velho Zé ainda hoje. Ainda vou avisar os demais da beira da
estrada até no velho Chico e o Teó. Obrigado viu? De nada respondi! Já vou
também! Ele se foi e eu fiquei sentado na cama com as mãos no queixo, a
lamparina acesa e pensando: Era só o que faltava, seu Zé morrer logo agora? Era
um bom velhinho e querido por todos, se bem que há algum tempo andava doente
mesmo. Era de se esperar que isto acontecesse, mas não tão rápido assim e numa
hora dessas. Me lembrei de umas brincadeiras dele para comigo dias antes, me
dizia: Meu filho você vai se casar com uma das minhas filhas, eu gosto muito de
tu, és um moço muito distinto, serve para ser meu genro, és muito bondoso de
coração e isto me agrada muito. Cuidará bem de mim na minha velhice. Eu lhe
disse que não queria o casamento. Falei rindo , ele então me retrucou: A hora
que eu morrer venho te avisar e ainda te puxo por um dos pés. kkkkkkkkkkkk. Agora que o velho morreu, pensei comigo: É
agora que a porca torce o rabo? Só faltou me pegar pelo pé mesmo. Não pegou, mas
me tirou o sono! Ah! deixa isto para lá, era ele fazendo graça comigo. Como era noite e ninguém me veria como estava,
saí vestido só de camiseta e um calção de futebol e de conga. Montei na
bicicleta e desci a ladeira e entrei pelo desvio a esquerda que dava por um
estradinha de areia manteiga muito clara, ainda mais numa noite de luar, os
curiangos e corta paus pousavam nela voando e pousando aqui e ali, quando a
gente se aproximava deles. Existia bem na beiradinha da estrada um velho
cemitério, mas desativado há muito tempo, não se enterrava mais ninguém nele
porque a estradinha passou cortando uma ponta dele e se via de pertinho as
cruzes e catacumbas já desgastadas pelo tempo. Só não estava esquecido, era
conservado limpo pelos moradores locais. O cemitério ficava á esquerda da
estradinha e do lado direito era uma vazante até na beira do Córrego quando
este enchia jogava água por ali tudo. Um assapeixal e lixeiral tomava conta do
espaço em forma de uma bacia em curva longa e aberta, depois afunilava já no
final dela. Lá vou eu absorto nos pensamentos em torno da morte do seu Zé. lá
bem adiante tinha um pé de lixa deste tamanho e curvado sobre o caminho onde eu
teria que passar por baixo dele e que sua sombra projetava bem no meio da
estrada apertada, a lua estava na posição do meio dia. Sem que pudesse ver a
distancia, na dita sombra estava um burro velho de cor alvaçã ou cinza,
tordilho mais para o claro, um pedrês bem miudinho claro, quase da cor da areia
da estrada. Do jeito que eu vinha pedalando pouco e sem ruído nem o burro velho
naquele silêncio total da noite percebeu minha presença, ele estava dormindo em
pé conforme é seu hábito, de certo dormia profundo mesmo. kkkkkkkkkkkk, e ainda
de costas para mim. Do jeito que vim a roda dianteira da bicicleta entrou no
meio das duas coxas traseiras do asinino, este de tamanho susto que levou, deu
um salto jogando os quartos, a traseira para cima, e dando um baita peido
grosso e tão alto que parece ter rasgado tudo, quase jogando capim azedo na
minha cara. kkkkkkkkkkkkkkk. Ao mesmo
tempo desferindo um par de coices mortais em mim, sorte dada por Deus que por
estar muito perto, acertou por baixo do guidão que levantou-me com bicicleta e
tudo, nos jogando de costas na areia da estrada, caímos meio entreverado, a
bicicleta por cima de mim, se me acertasse o coice no rosto ou no peito estaria
morto, é pior do que uma cacetada o coice de burro, o animal saiu mais do que
um louco disparado e peidando espremido, grosso e alto, acabando de rasgar o
que faltou, levando no peito aquele chavarrascal de lixeira e assapeixe e
assoprando que dava para ouvir a quilômetros dali. kkkkkkkkkkkkk. levantei-me
do chão e vi que estava ileso, quase morro de susto, o coração queria sair pela boca, e o burro ainda pior
do que eu, decerto ele pensou que fosse onça lhe atacando por detrás, animal
nenhum tem mais medo de onça do que burro, se foi numa disparada louca até onde
não pude mais ouvir aquele tropel, imagine numa madrugada silenciosa como
aquela a barulheira que o filho da jumenta aprontou, parece que saltou o
córrego de um só pulo. Nossa senhora! Imagine o amigo leitor, o que passei:
Estava pensando num defunto que poderia ser uma assombração, sozinho, tarde da
noite, num lugar ermo, e ainda na beira de um cemitério antigo! Imagino que até
hoje este burro velho ainda está correndo! kkkkkkkkkkkkk. Me considerei de coragem por não ter voltado
dali. Foi sem dúvida o maior susto que já tomei em toda a minha vida. Acho que
o susto do burro foi maior do que o meu, também o maior em sua vida, pelo menos
até ali. Acho que ele nunca mais dormirá embaixo da sombra de uma lixeira á
noite! 25/03/2017
FATO PARA COISAS DE CABOCLO DE LUIZÃO-O-CHAVES
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