quinta-feira, 30 de março de 2017

QUANDO UM BURRO E UM HOMEM SE ASSUSTAM.

               
         
Passados mais ou menos umas duas semanas que o Antonio louco pegou uma cruz no cemitério a meia noite, lá pelas tantas de uma madrugada dessas lá vem o fantasma me acordar: Devia ser uma hora ou mais passadas da meia noite daquele dia, hora sinistra, sombria, silenciosa, o luar era cálido, algumas nuvens de sombras ora encobria a lua ora a descobria, o ar estava parado, não se movia uma folha de mato sequer, nem os grilos e os insetos noturnos cantavam ou voavam como de costume. A mãe natureza parecia estar triste ou avisando que alguma coisa não ia bem, se ouvia muito longe um pio de coruja de um modo muito agourento conforme nós os caboclos costumamos dizer, canto lamentoso? Isso dá azar, gente! Logo no anoitecer ouvimos um rasga-mortalha passar voando e com seu canto de arrepiar deu um: rrrrrrrrrrrrrrrappp rrrrrrrrrrrrrraaaa na direção da estrada acima, curioso como sempre fomos saí as pressas no terreiro olhando para cima e na luz da lua, conseguimos vê-lo, ave de costas escuras e por baixo é branca, já se afastava uns cinquenta e  poucos metros da nossa casa, com aquelas batidas de asas compassadas e silenciosas na direção da casa da dona Carmen, que ficava depois da casa do velho Zé. Nem ligamos para o aviso da ave noturna, fomos nos deitar para dormir. Nós com muita saúde e jovem como éramos, não conseguíamos conciliar o sono, sentiamos até uma leve insônia, não tinhamos preocupação nenhuma a ponto de perder o sono. Virei o travesseiro para o lado dos pés da cama, dizem que este gesto espanta até os espíritos da insônia ou outros que vem amolar a gente ou avisar de qualquer coisa má que vai acontecer com a gente ou com amigos. Deu certo, consegui ter uma madorna, parece que já estava sonhando até, quando ouvi umas palmas no terreiro. Pá pá pá. Ô de casa?. Acordei meio atônito, sem saber de que lado vinha aquele barulho de um par de mãos afobadas batendo insistentemente. Levantei a cabeça do travesseiro para ouvir melhor, repetiu as palmas, era no meu terreiro mesmo. Me chamaram pelo meu nome, aí eu reconheci a voz, era o Antonio louco, Antes de responder pensei: O que será que o Antonio está aprontando a estas horas? Logo no meu terreiro? Mas respondi: O que é Antonio? Abrindo a janela do lado da rua e vendo-o no claro da lua. Ele disse: O meu tio José morreu agorinha, faleceu o velho e vim te avisar. Ah! sim! Mas isto é verdade menino? Verdade sim, retruca ele. Já vou indo, mas antes porém me faça um favor, você tem bicicleta, vá lá embaixo na extensão da beira do córrego, lá nos fundos da Colônia e avise o seu Louro, seu Mariano e o velho Otacílio com as famílias, quem sabe eles virão para o velório do velho Zé ainda hoje. Ainda vou avisar os demais da beira da estrada até no velho Chico e o Teó. Obrigado viu? De nada respondi! Já vou também! Ele se foi e eu fiquei sentado na cama com as mãos no queixo, a lamparina acesa e pensando: Era só o que faltava, seu Zé morrer logo agora? Era um bom velhinho e querido por todos, se bem que há algum tempo andava doente mesmo. Era de se esperar que isto acontecesse, mas não tão rápido assim e numa hora dessas. Me lembrei de umas brincadeiras dele para comigo dias antes, me dizia: Meu filho você vai se casar com uma das minhas filhas, eu gosto muito de tu, és um moço muito distinto, serve para ser meu genro, és muito bondoso de coração e isto me agrada muito. Cuidará bem de mim na minha velhice. Eu lhe disse que não queria o casamento. Falei rindo , ele então me retrucou: A hora que eu morrer venho te avisar e ainda te puxo por um dos pés. kkkkkkkkkkkk.  Agora que o velho morreu, pensei comigo: É agora que a porca torce o rabo? Só faltou me pegar pelo pé mesmo. Não pegou, mas me tirou o sono! Ah! deixa isto para lá, era ele fazendo graça comigo.  Como era noite e ninguém me veria como estava, saí vestido só de camiseta e um calção de futebol e de conga. Montei na bicicleta e desci a ladeira e entrei pelo desvio a esquerda que dava por um estradinha de areia manteiga muito clara, ainda mais numa noite de luar, os curiangos e corta paus pousavam nela voando e pousando aqui e ali, quando a gente se aproximava deles. Existia bem na beiradinha da estrada um velho cemitério, mas desativado há muito tempo, não se enterrava mais ninguém nele porque a estradinha passou cortando uma ponta dele e se via de pertinho as cruzes e catacumbas já desgastadas pelo tempo. Só não estava esquecido, era conservado limpo pelos moradores locais. O cemitério ficava á esquerda da estradinha e do lado direito era uma vazante até na beira do Córrego quando este enchia jogava água por ali tudo. Um assapeixal e lixeiral tomava conta do espaço em forma de uma bacia em curva longa e aberta, depois afunilava já no final dela. Lá vou eu absorto nos pensamentos em torno da morte do seu Zé. lá bem adiante tinha um pé de lixa deste tamanho e curvado sobre o caminho onde eu teria que passar por baixo dele e que sua sombra projetava bem no meio da estrada apertada, a lua estava na posição do meio dia. Sem que pudesse ver a distancia, na dita sombra estava um burro velho de cor alvaçã ou cinza, tordilho mais para o claro, um pedrês bem miudinho claro, quase da cor da areia da estrada. Do jeito que eu vinha pedalando pouco e sem ruído nem o burro velho naquele silêncio total da noite percebeu minha presença, ele estava dormindo em pé conforme é seu hábito, de certo dormia profundo mesmo. kkkkkkkkkkkk, e ainda de costas para mim. Do jeito que vim a roda dianteira da bicicleta entrou no meio das duas coxas traseiras do asinino, este de tamanho susto que levou, deu um salto jogando os quartos, a traseira para cima, e dando um baita peido grosso e tão alto que parece ter rasgado tudo, quase jogando capim azedo na minha cara. kkkkkkkkkkkkkkk.  Ao mesmo tempo desferindo um par de coices mortais em mim, sorte dada por Deus que por estar muito perto, acertou por baixo do guidão que levantou-me com bicicleta e tudo, nos jogando de costas na areia da estrada, caímos meio entreverado, a bicicleta por cima de mim, se me acertasse o coice no rosto ou no peito estaria morto, é pior do que uma cacetada o coice de burro, o animal saiu mais do que um louco disparado e peidando espremido, grosso e alto, acabando de rasgar o que faltou, levando no peito aquele chavarrascal de lixeira e assapeixe e assoprando que dava para ouvir a quilômetros dali. kkkkkkkkkkkkk. levantei-me do chão e vi que estava ileso, quase morro de susto, o coração  queria sair pela boca, e o burro ainda pior do que eu, decerto ele pensou que fosse onça lhe atacando por detrás, animal nenhum tem mais medo de onça do que burro, se foi numa disparada louca até onde não pude mais ouvir aquele tropel, imagine numa madrugada silenciosa como aquela a barulheira que o filho da jumenta aprontou, parece que saltou o córrego de um só pulo. Nossa senhora! Imagine o amigo leitor, o que passei: Estava pensando num defunto que poderia ser uma assombração, sozinho, tarde da noite, num lugar ermo, e ainda na beira de um cemitério antigo! Imagino que até hoje este burro velho ainda está correndo! kkkkkkkkkkkkk.  Me considerei de coragem por não ter voltado dali. Foi sem dúvida o maior susto que já tomei em toda a minha vida. Acho que o susto do burro foi maior do que o meu, também o maior em sua vida, pelo menos até ali. Acho que ele nunca mais dormirá embaixo da sombra de uma lixeira á noite! 25/03/2017


  FATO PARA COISAS DE CABOCLO DE LUIZÃO-O-CHAVES   

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