Era um homem simples de estatura mediana, lá
pelos 1,70m, ruivo, olhos azuis, corpo esguio, massa corporal de proporções
normais e bem distribuídas, não possuía um físico atlético, mas era de
movimentos rápidos, olhar perspicaz, agudeza de sentidos, percepção normal, até
um pouquinho além dos demais, de pouca conversa, de fácil adaptação no lugar
que se encontrava, companheiro fiel, de confiança á valores, trabalhador,
honesto aquele tipo que parece sabiá, que vai dormir tarde e acordar mais cedo
do que os outros, bom jogador de bacará, truco, pif, escopa de 15, 21, pôquer,
bisca, e quase todos os demais jogos de cartas, damas, dominó e vai por aí a
fora. Bom machadeiro, bom de foice, de enxada e de todas as ferramentas
braçais. Andejo, corredor de trechos, parecia que quando nasceu ao dar os
primeiros passinhos pisou em rastros de lobinhos. kkkkkkkkkkk. Conhecia meio
mundo de peões da sua época, lá pelos anos de 1.930 até quando sumiu, ninguém
sabe se morreu. Era nascido em 1.912 natural do Estado da Bahia, cidade de Mamonas de Ouro. Saiu da casa dos pais com
idade de 12 anos, meio fugido deles, tinha vontade de conhecer o mundo. Veio
para o Estado de São Paulo num "Pau de Arara" que naqueles tempos era
a condução que trazia os nordestinos de suas terras para outros estado em
especial o Estado de São Paulo e Paraná, saiam de suas terras natal: Piauí, Paraíba, Ceará, Pernambuco, Alagoas,
Sergipe passando por Minas Gerais e rodando até dois meses de viagem, ele
chegou no interior de São Paulo ali na
região de Padre Nóbrega, Marília, Tupã, Sorocaba,São José do Rio Preto, Presidente
Prudente, Rio Claro, Araçatuba, Barretos, Bastos, Ribeirão Preto, Campinas, Assis que eram cidades pequenas naquela época
etc. Percorreu toda a malha ferroviária daqueles tempos: Sorocabana,
Araraquarense, Noroeste, Alta Paulista, Mogiana, Central do Brasil por ser
quase o único meio de transportes existentes etc. Trabalhando como peão com
empreiteiros de derrubadas de matas para o plantio dos cafezais que hoje nem
existem mais. Pelo que descrevemos desta simples criatura como os demais homens,
parecia ser um ente completo. De temperamento quente, agressivo com as
injustiças que presenciava. Saia na defesa dos mais fracos, custasse o que
fosse custar. Brigava até por um palito de fósforos se fosse preciso. Não
gostava de arma de fogo, dizia que na hora "H" nega fogo, só um
punhal ou peixeira que era arma de confiança. Era comum vê-lo metido em
encrencas, ligeiro como um gato na frente de cães, ou um curiango quando um
gavião lhe ataca, serelepe na frente de um gato,ou em outra comparação, deitado
numa rede de descanso a gente cortava uma das cordas e antes dele cair no chão,
saltava lá longe e a rede caia sozinha. O homem parecia ser eletrizado, uma
coisa sem explicação, parecia ter pacto com alguma entidade, balas nunca lhe
acertavam, caso fosse alvejado, de raciocínio rápido, conhecia perigo de uma forma previsível, sabia
dos riscos e escapes, sabia onde por os pés com segurança, peão velho e
estradeiro não mete a mão em combuca, apesar de ter se metido em muitas
encrencas nunca foi riscado de facas e nem de outra arma. Dizia entre risos: O
meu couro ainda é de 1ª kkkkkkkkkkkkkk. Sabia se defender mesmo, não largava de
ser arruaceiro! Dizia que na frente de um ferro frio a gente se desdobra em
mais de dois. kkkkkkkkk. Tem que defender a carcaça de ossos, senão a turma faz
da gente um peneira! Comprava briga alheia atôa, mas tinha sorte, se saia muito bem. Tinha defeitos, traiçoeiro.
vingativo, pirracento e perigoso. Por
conta desse seu gênio azedo, tinha dia que não falava com ninguém, amanhecia
emburrado, trabalhava sem articular uma palavra. De repente dava uma gargalhada
do nada e dali pelo resto do dia era só alegria com a turma. Era misterioso
mesmo, irrascivel, encardido nas suas opiniões mas respeitoso com tudo o que
era alheio, jamais metia a mão em algo que não era seu. Mas também possuidor de
uma fé que só ele sabia como cultivar, dizia sempre em alguma situação complicada
e embaraçosa: A providência Divina é maior do que tudo isto que meus olhos
estão vendo! Isso é nada para nós! Só isto que sabia dizer além de um Pai Nosso
e Ave Maria que rezava antes de se deitar e se levantar! Um homem imprevisível
e de um companheirismo de causar admiração, prestativo e servidor, não era
mesquinho nem avarento, não tinha usura ou ganância por dinheiro. Prejuízo pouco
é lucro dizia sempre. Como peão do trecho igual aos montes que na época existia
era possuidor de uma grande qualidade: Não era cachaceiro! Se bem que vez por
outra tomava uns goles somente para ficar com o corpo maneiro. kkkkkkkkkk. Assim dizia! Era um grande companheiro, se
chamava João Leite, gostava de chamar os companheiros de "Cunhado" Os
peões de nosso tempo eram assim: Não tinham estudos, muitos nem o nome sabiam
assinar, mas sabiam brigar de facas, de navalhas, rabo-de-arraia, cangapés,
cabeçadas, capoeiras ao toque do berimbau, e outras lutas da cultura nativa e
afro-brasileira, jogo de rasteiras, com armas de fogo, saiam do alvo
livrando-se das balas, jogavam rasteiras, lutavam no braço, no facão, na ginga,
atiravam bem com diversas armas de fogo: Garruchas, ou rabo-de-égua aquelas
calibre 380 ou 320, Colt cavalinho, até cortavam um palito de fósforos na
cabeça de um toco á 15 metros de distância lá no meio da derrubada ou roças,
outros furavam laranjas ou limões atirado por outra pessoa no ar antes de cair
no chão. Não tinham cursos de lutas nenhum mas brigavam de cacetes, jogavam
areia nos olhos do inimigo e davam-lha a maior surra. Nem sabiam o que era
anatomia mas conheciam os pontos fracos do corpo humano nas brigas. Era uma geração de homens perigosos. Por conta
dessas aventuras ninguém tinha paradeiro certo, não tinham casas de moradia, a
casa dos peões do trecho era o chapéu. Andavam igual ciganos, levavam a vida só
trabalhando para um e outro patrão, se o serviço fosse grande ali ficavam até
terminar, levasse o tempo que fosse. Quando tinham folga entre um serviço e
outro iam para a cidade passearem, se divertirem e bagunçarem também. Certa ocasião trabalharam para um japonês
e no acerto das contas se desentenderam, os japoneses naquele tempo eram ótimos
patrões, salvo um ou outro safado que não gostava de pagar os
"Gagins" pelo serviço feito ou pagavam pela metade do combinado. Deu
encrenca, fizeram um pampeiro de brigas, uns quatro japoneses foram defender o
patrício, até mulheres japonesas entraram pelo meio, mataram um japonês, moeram
outro no pau e machucaram gravemente a mulher dele com uma foice, os outros
correram. Vendo o morto e a mulher quase morta também, caíram na
"Folha", sumiram todos, ele o João e mais três companheiros. Mudaram
de região, foram para o Paraná e lá ficaram por muito tempo. Passou mais de ano
e um dia voltaram, mal chegaram e já fizeram outra bagunça num bailinho
familiar na corrutela. O dono da casa dissera que peão nenhum era para dançar
ali, mas eles entraram na marra e por causa de
uma moça noiva que não quis dançar com eles, atiraram no pé dela e foi
aquela confusão. Bateram no noivo, e acabaram com a festa. Antes que a policia
fosse acionada, sumiram de novo, foram para o mato trabalhar numa derrubada. A
policia procurou-os em todas as turmas de empreiteiros, estavam num português
empreiteiro, mas este negou a presença do João Leite e seus companheiros
bagunceiros. Ficaram escondidos lá por muito tempo. Como a policia não desiste,
foram numa boca de noite de domingo para segunda feira no dito acampamento do
português ver se pegavam os tais. Estavam todos deitados para acordarem amanhã
cedo e irem para o eito. Mas em silêncio total, andavam desconfiados com a
surpresa da policia. O cozinheiro ouviu um barulho de carro parando ao longe na
estrada e avisou a turma. Foram dormir no mato, de repente a policia chega de
supetão, cercou o barraco deles e deu voz de prisão em voz alta para todo
mundo. Ninguém corre, se correrem nos atiraremos, estavam munidos de lanternas
potentes. O sargento entrou no acampamento e deu de cara só com o cozinheiro na
beira de um fogo passando um café, ficaram sem graça por não encontrar ninguém!
Reviraram os barracos embaixo das tarimbas e tudo vazio. Pediram informações e
tiveram como resposta: Estão todos para a cidade, só voltarão amanhã á tarde!
Os caras de pau ainda tomaram café, pediram desculpas e foram embora. Não voltaram
mais. João Leite e seus companheiros
passaram uns seis meses longe da cidade. Sumiram mesmo, desapareceram do
mapa. Mas como os vivos sempre aparecem, um dia sem ninguém esperar apareceram
por lá onde bagunçaram no baile. Só que andavam espalhados iguais a quati
mundéu, logravam a policia assim, viram os policiais e deram no pé de novo, daí
uns quinze dias voltaram na corrutela outra vez. Como a patrulha andava de
prontidão sondando quem entrava na cidadezinha, um deles viu a quadriga, e desta vez
juntos entrando num bar, avisou os demais policiais e fizeram um cerco no local,
seis policias contra os quatro arruaceiros, o dono do bar gritou: É a policia,
não dando tempo para empreender a fuga e quando se viram cercados o jeito foi
enfrenta-los. Foi um quebra-pau daqueles, se via cadeiras voando para todos os
lados, mesa empurradas outras de pés
para cima prateleiras derrubadas, vitrine aos cacos, garrafas atiradas contra a
policia, naqueles tempos a policia não atirava em ninguém desarmado, pegavam o
fulano a unha seca, na raça, no braço, na pancadaria, no cacetete. Mas o João Leite era
barra pesada mesmo, sozinho derrubou dois soldados, um com areia nos seus olhos
e outro na rasteira, batia neles de pés de cadeiras, estava em vantagem quando
um dos seus companheiros esmoreceu perdendo para um adversário, ficando quatro
a três ainda, mesmo assim o sargento sacou a arma e gritou com a pistola na mão: Parem, senão
mando balas! Lá vai chumbo! Obedeceram e acabaram sendo todos presos! O João
não levou um arranhão sequer... [Continua]
PARA O
BLOGGER: "COISAS DE CABOCLO DE
LUIZÃO-O-CHAVES"
CONTO E RELATO DO PERSONAGEM QUE VIVEU ESTA AVENTURA.
COLEÇÃO DE CONTOS VIDA DE PEÃO". 31/12/2016